Essa semana a expectativa quanto ao novo programa social e o salto no valor dos precatórios movimentaram Brasília e o mercado como um todo. O oportuno espaço causado pelo descasamento entre o IPCA e o INPC não é suficiente para solucionar as dores de cabeça do governo e as soluções são mais onerosas do que aparentam.
Uma das propostas do presidente Jair Bolsonaro é a reformulação do programa Bolsa Família. Por meio de uma medida provisória (MP), o presidente pretende ampliar o número de famílias auxiliadas e a média dos valores repassados, que hoje giram em torno de R$200,00.
A MP do novo Bolsa Família não deverá estipular o valor do auxílio, o que deve ser feito por um decreto a ser publicado após a aprovação. Contudo, Bolsonaro tem dito que o novo programa deve ter um valor 50% superior ao Bolsa Família.
Destaca-se que o programa precisa entrar em vigor ainda em 2021, uma vez que a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) veda, no ano da realização do pleito, “a distribuição de bens, valores ou benefícios, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior”.
O fato é que, independente da vigência e do valor, em algum momento o dinheiro vai ter que sair de algum lugar.
Cenário
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) tem por objetivo medir a inflação de um conjunto de produtos e serviços comercializados no varejo, referentes ao consumo pessoal das famílias. Como a regra do teto de gastos define que os gastos do governo em determinado ano não podem ser maiores do que foi gasto no ano anterior corrigido pela inflação, o índice também define a margem que o governo terá no ajuste da regra fiscal.
O IPCA acumulado em 12 meses até junho fechou em 8,35%, o que permitirá um crescimento de R$ 124,1 bilhões no teto, que passará de R$ 1,49 trilhões em 2021 para R$ 1,61 trilhões no ano seguinte.
Já o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), de acordo com Guilherme Tinoco, mestre em economia pela USP e especialista em contas públicas, deverá ficar próximo de 7% no acumulado do ano.
O INPC tem por objetivo a correção do poder de compra dos salários, através da mensuração das variações de preços da cesta de consumo da população assalariada com mais baixo rendimento e impacta no reajuste das quatro despesas que ocupam a maior parte dos gastos públicos obrigatórios. Destaca-se que a maior despesa do orçamento federal primário é a previdência.
Tudo bem, mas o que esses números significam?
Tinoco explica que quanto menor o valor do INPC no final do ano, melhor para o governo, uma vez que o teto nominal já está definido pelo IPCA de junho e parte das despesas dependem do INPC, a diferença entre o IPCA e o INPC criam um espaço a mais no orçamento. Tal espaço poderia ser usado para financiar o novo Bolsa Família, porém sendo os precatórios despesas obrigatórias esse espaço fica comprometido.
O crescimento da inflação no segundo semestre ainda pode reduzir esse espaço, aumentando, assim, o risco de extrapolar o teto.
Dívida dos precatórios
A dívida dos precatórios para 2022 é estimada em quase R$90 bilhões e corresponde a 74,6% das despesas não obrigatórias de 2021. O ministro Paulo Guedes afirmou que o salto o surpreendeu e que pode ter havido culpa do governo.
Tinoco explica que toda gestão do Ministério da Economia acompanha os riscos fiscais e que é mais provável que o governo tenha tomado consciência desses R$90 bilhões já há algum tempo e não que tenha ocorrido uma imensa falha de gestão nesse sentido.
Alternativa: PEC dos precatórios
Uma vez que os gastos com precatórios previstos para 2022 somam quase R$90 bilhões, o parcelamento destes abriria espaço no Orçamento para o prometido programa social. Além disso, Paulo Guedes afirmou que o governo vai propor um limite anual para o pagamento de precatórios e que as dívidas menores do que R$66 mil serão pagas integralmente.
O índice utilizado para limitar esses gastos ainda não foi definido e a proposta está sendo preparada e será enviada ao Congresso Nacional como uma PEC.
Retirada do teto: Tinoco afirma que, ainda que seja uma solução mais simples, o alto valor dos precatórios não deve ser retirado do teto de gastos, não só pelo péssimo sinal aos mercados como também pelo fato de existir espaço para cortes nas emendas do relator.
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