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A gangorra entre a técnica e a política – Análise 

A complexa situação econômica dos EUA somados aos problemas fiscais brasileiros podem dificultar ainda mais o trabalho do próximo presidente do BC

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No último dia 8, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), anunciou o corte de 0,25% na taxa básica de juros. Essa decisão encerra um ciclo de 6 reuniões consecutivas em que o órgão determinou um corte de 0,5% na taxa Selic.

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Gabriel Galípolo. Foto: Fabio Rodrigues – Pozzebom/Agência Brasil

Após a eleição de Lula e a permanência de Roberto Campos Neto na Presidência do BC, devido à autonomia da autarquia, as decisões do Copom são alvos de grande especulação e geram expectativas no meio político e no mercado financeiro brasileiro.

Não é novidade que o atual Presidente da República defende um maior gasto estatal. Na visão do chefe do Executivo, um maior investimento do Estado é a melhor forma de se fomentar o crescimento econômico do País. De modo contrário, Campos Neto vê com preocupação a forma como o aspecto fiscal brasileiro vem sendo gerido pelo Governo Federal. Na visão do presidente do BC, as contas públicas deveriam ser geridas de forma mais precavida, buscando na verdade um corte de gastos pela Administração Federal. Portanto, Campos Neto vem adotando uma postura contrária à do governo, buscando equilibrar o cenário econômico nacional. Isso se traduz em taxas de juros mais altas por mais tempo, dificultando o investimento estatal.

Analisando as reuniões do Copom durante o Governo Lula 3, foram realizadas 4 reuniões sem que houvesse corte na Selic. Do início de fevereiro de 2023 até o final de junho do mesmo ano, o Banco Central foi alvo de severas críticas vindas diretamente do Presidente Lula. Na época, Lula chegou a afirmar que poderia rever a autonomia do Banco Central. Finalmente, na reunião de agosto de 2023, o Copom informa um corte de 0,50% na taxa de juros. Naquele momento, a turbulência inicial criada ainda no governo de transição parecia diminuir. No mesmo mês de agosto, foi sancionada também a Lei Complementar 200/2023 que prevê o Arcabouço Fiscal. A lei, apesar de não ser tão bém recebida pelo mercado financeiro como o antigo teto de gastos, serviu como indicativo de que o Ministro Fernando Haddad possuía preocupações com o aspecto fiscal e, além disso, possuía o apoio de Lula. Como resultado, em todas as próximas 5 reuniões do Copom, a taxa básica de juros foi cortada em 0,5%, diminuindo a tensão entre BC e Presidência da República.

Por outro lado, ao longo de 2023 e início de 2024, Lula já indicou 4 novos diretores ao Banco Central. Atualmente a entidade conta com 4 diretores indicados por Lula e outros 4 indicados por Jair Bolsonaro (PL), além do Presidente Roberto Campos, que também assumiu o cargo após indicação do ex-Presidente. Essa divisão dentro do Banco se mostrou de forma mais nítida na última reunião do dia 8 em que os indicados de Bolsonaro votaram pelo menor corte, enquanto os indicados de Lula defenderam o maior.

A divisão na votação do Copom chamou atenção na mídia e reacendeu parte da rivalidade entre BC e Governo. Isso, no entanto, não deve aumentar as tensões aos níveis alcançados no início de 2023 já que, em alguns meses, o mandato de Campos Neto no BC se encerra e finalmente o Governo terá maioria nos votos. Ademais, Haddad já se pronunciou afirmando que não vê uma verdadeira divisão no Copom e que a última ata divulgada pelo órgão se mostrou técnica e adequada, em linha com suas expectativas.

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Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

Analisando a ata do Copom, alguns pontos chamam atenção. Em primeiro lugar, a ata deixa espaço para que na próxima reunião a taxa seja mantida. Para mais, além da preocupação fiscal, o BC apontou outras razões para o aumento de suas preocupações. Entre tais fatores de preocupação destaca-se “uma maior persistência das pressões inflacionárias globais” e a “incerteza elevada e persistente referente ao início da flexibilização da política monetária nos Estados Unidos”.

Essas justificativas chamam atenção pelo fato de que são fatores alheios ao Governo brasileiro. Contudo, o cenário internacional e especialmente a decisão de política monetária dos Estados Unidos deve ser levada em conta para uma decisão técnica por parte do BC. Isso complica ainda mais a situação, visto que os EUA se encontram em ano eleitoral, em uma de suas eleições presidências mais polarizadas. A economia americana é um dos principais fatores que podem decidir a eleição e, portanto, a atuação do FED (Federal Reserve) pode ter grandes impactos esse ano. Outro ponto importante é que um corte na taxa de juros americana era previsto para os primeiros meses de 2024, entretanto, ainda não houve alterações na taxa e as previsões de cortes são cada vez mais distantes, chegando, inclusive, a cogitar-se o início dos cortes apenas em 2025.

Desse modo, caso o cenário internacional permaneça como se encontra hoje, podemos pensar em dificuldades já para o próximo presidente do Banco Central que, assim, ficaria diante de uma escolha difícil: manter o predomínio da técnica ou permitir um pouco mais política em suas decisões, de modo a facilitar o aumento do gasto estatal defendido por Lula e boa parte do PT.

Atualmente, os dois principais nomes cotados para assumir a presidência da principal entidade monetária nacional são Gabriel Galípolo e Paulo Picchetti. Ambos já compõem a diretoria do Banco Central. Galípolo é ex-secretário executivo de Haddad no ministério da Fazenda e é considerado alguém moderado que pode ser uma ponte entre Governo e mercado. Já Picchetti é coordenador do Índice de Preços ao Consumidor e do Índice de Preços do Mercado imobiliário, ambos no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas e declarou recentemente à Bloomberg que apesar das divergências internas no BC os diretores continuam “100% comprometidos em reduzir a inflação para a nossa meta de 3%”.

Analisando os dois nomes mais prováveis para suceder Campos Neto, é possível perceber que ambos possuem as qualificações técnicas para assumir a presidência do BC. Da mesma maneira, ambos têm pontos positivos com o mercado. Picchetti possui grande experiência com o estudo e acompanhamento da inflação e já declarou sua preocupação e buscar o centro da meta de inflação. Galípolo é bem-visto pelo mercado financeiro e desde sua indicação para diretor do BC parece ser o nome favorito para assumir o cargo de presidente da instituição. Inclusive, em evento do Jornal Valor Econômico em Nova York, Galípolo afirmou que pensou em votar por um corte menor e que “estaria confortável em apresentar argumentos em favor de votar [por um corte de] 0,25″.

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Gabriel Galípolo. Foto: Fabio Rodrigues – Pozzebom/Agência Brasil

No entanto, ao contrário de Campos Neto, que desde o princípio era considerado opositor de Lula, Galípolo ou Picchetti terá de balancear os aspectos técnicos com uma provável pressão política por uma queda artificial nos juros, o que pode não ser tão fácil quando essa pressão vem de quem os indicou. Campos Neto, já ciente do cenário complexo, ao mesmo tempo que defende a PEC 65/2023, que trata da independência do Banco Central, também pressiona o Governo por uma indicação antecipada para a presidência do BC, sob a argumentação de que uma transição suave necessita de tempo para materializar.

À medida que o mandato do atual presidente do Banco Central se aproxima do fim, as reuniões do Copom terão cada vez mais expectativa ao seu redor, especialmente na forma como os principais candidatos à sucessão da presidência votam e se justificam. Da mesma forma, todo o mercado aguarda ansiosamente pela confirmação de Lula sobre o comando do BC. De qualquer modo, a grande pergunta será respondida apenas no ano que vem. Independentemente de quem for o nome escolhido por Lula, o futuro presidente do Banco Central comandará uma instituição estritamente técnica ou cederá a determinadas pressões políticas?

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