Mesmo após o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ter desfeito a Comissão Mista da Reforma Tributária, em uma manobra para tirar a relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro, o texto apresentado na última terça-feira (4) ainda encontra apoio dentro do Senado Federal.
Na quinta-feira (6), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco fez questão de dizer publicamente o que antes havia defendido apenas em notas: a comissão da reforma não será extinta.
“A comissão concluirá o seu trabalho, e caberá à Câmara e ao Senado a condução da reforma tributária”, disse.
Ainda resta saber como o presidente da Câmara vai reagir: se vai dar o braço a torcer e permitir que a proposta relatada por Aguinaldo Ribeiro siga seu curso ou se vai bater o pé e abrir um novo processo para a apreciação da reforma fatiada, como vem defendendo.
Vale lembrar que a Comissão Mista da Reforma Tributária foi criada justamente para diminuir o conflito entre Câmara e Senado pela paternidade da reforma. Agora, o risco é que o trabalho de conciliação seja perdido e volte a existir uma reforma tramitando na Câmara e uma no Senado.
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Para o advogado especialista em direito tributário, Ângelo Peccini Neto, da Peccini Advocacia, todo esse conflito acontece porque a mudança nas regras afetaria uma grande quantidade de atores econômicos.
“A reforma tributária precisa atender as necessidades de quem contribui e de quem arrecada. Alinhar o interesse dessas partes é extremamente difícil; há justificativas de ambos os lados”, explica.
Segundo o tributarista, a reforma precisa atender interesses do Estado, do setor privado e do contribuinte comum. “São interesses distintos, e difíceis de serem encontrados, mas é necessário que encontremos um meio termo”, avalia.
Ampla ou fatiada?
O texto apresentado por Aguinaldo Ribeiro, líder da maioria no Congresso, propõe a votação de uma proposta ampla e que atenda ao governo por meio de uma unificação de impostos federais e subnacionais em fases. Por outro lado, Lira, a equipe econômica e o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR) querem o fatiamento da matéria por entenderem que facilitará sua aprovação no Parlamento.
O que diz o relatório
Em sua proposta de reforma tributária, Ribeiro uniu pontos da PEC 45, que tramitação na Câmara, e da PEC 110, do Senado. O resultado final é um texto que propõe a extinção da contribuição PIS, da Cofins, do IPI, do ICMS e do ISS e, no lugar desses tributos, a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será complementado pelo Imposto Seletivo. Essa alteração visa modernizar e simplificar o sistema tributário, dar mais transparência aos cidadãos sobre o quanto lhes é cobrado a título de impostos, combater a regressividade tributária, findar a guerra fiscal e garantir aos entes tributantes a receita necessária ao desempenho de seu papel constitucional.
Pela proposta, o IBS será um imposto de base ampla e composto pelo somatório das alíquotas da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
O objetivo é que o imposto seja não cumulativo. “Temos dois tipos de cobranças: impostos cumulativos e não cumulativos. Os cumulativos são impostos que já taxam sobre toda a cadeia de produção, todos os passos. Já os não cumulativos são referentes a cada passo”, explica Peccini.
Consulta ao especialista:
Ângelo Peccini Neto, advogado especialista em direito tributário
Porque uma reforma tributária, mesmo que quase unanimemente defendida, gera tanto conflito para ser aprovada?
A reforma tributária precisa atender as necessidades de quem contribui e de quem arrecada. Alinhar o interesse dessas partes é extremamente difícil; há justificativas de ambos os lados. O setor privado, por exemplo, é muito importante – e isso foi comprovado nessa pandemia. Inúmeras empresas, indústrias e companhias seguraram a economia do país e participaram ativamente da produção de máscaras, álcool em gel, etc. O Estado também é muito importante; é com o dinheiro dos impostos que ele consegue investir em políticas públicas. São interesses distintos, e difíceis de serem encontrados, mas é necessário que encontremos um meio termo.
O senhor considera que a proposta do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) é boa?
Ele costurou duas grandes propostas (PEC 45 e PEC 110), as principais até então, e conseguiu abranger as necessidades do momento, isso é indiscutível. Digo que é do momento, pois a sociedade vai mudando com o tempo – costumes, modo de agir etc. Ainda que não seja usado como um todo, a Câmara já afirmou que irá se basear na proposta para a realização de um novo texto. De qualquer forma, será um debate de opiniões para ver quais pontos serão mantidos e quais serão descartados.
O setor de serviços alegou que a fusão dos impostos seria maléfica. Esse problema persiste nessa proposta?
Vamos partir dos fatos: o setor de serviço é um dos que menos paga impostos atualmente. Com isso, para que nós consigamos reduzir cargas tributárias excessivas de outras fontes econômicas, seria plausível equilibrarmos essa balança e aumentar a carga sobre os serviços. É um jogo de puxa e solta, infelizmente. Para diminuir em um, precisaremos aumentar em outro. Não há outra maneira de fazer uma reforma senão por compensações.
Imposto não cumulativo: o que é isso? É positivo?
Temos dois tipos de cobranças: impostos cumulativos e não cumulativos. Os cumulativos são impostos que já taxam sobre toda a cadeia de produção, todos os passos. Já os não cumulativos são referentes a cada passo.
A reforma estabelece uma exceção da cobrança de imposto sobre os combustíveis. Se a ideia geral da reforma é unificar os tributos e eliminar exceções, criar uma ressalva, logo de início, não seria ruim?
O preço dos combustíveis sobe muito; ainda que o Brasil seja autossuficiente nesse setor. Quando a reforma prevê um ponto como esse, não é apenas um assunto econômico, mas uma política pública – com o intuito de frear essas sucessivas elevações. O combustível é muito caro no Brasil. Uma medida como essa pode impactar beneficamente em toda a cadeia, pois tudo necessita, mesmo que indiretamente, deles.
O que o senhor achou, no geral, dessa proposta? Acredita que ela seria bem recebida pela população?
Crises geram uma brusca mudança de renda: a pandemia foi um grande exemplo disso. A proposta, em uma análise ampla, é sim bem-vinda, pois ela resolve problemas atuais – tanto na esfera legislativa quanto na esfera judiciária. No entanto, o projeto está longe de ser prefeito. Não adianta termos uma boa arrecadação, mas sem saber aonde este dinheiro será empregado. É toda uma discussão; essa reforma será o início de uma cadeia de mudanças tributárias. Daqui a alguns anos precisaremos nos sentar e discutir, novamente, a reforma que temos nos dias de hoje. De qualquer forma, precisamos dar esse pontapé, pois o nosso sistema tributário é uma colcha de retalhos.