O amigo da rede social


Se a Lava-Jato é o grande agente transformador da política brasileira nos últimos anos, as redes sociais se consolidaram como os grandes agentes transformadoras da opinião pública. A imprensa, paralela a isso, incorporou a imagem e o comportamento de um “amigo de rede social” ao invés do papel de formador de opinião clássico de antigamente.

Para se adequar a esse novo público no Brasil, nos Estados Unidos e em grande parte da Europa, a mídia passou a estimular uma sensação de proximidade com o leitor via redes sociais que transmite a impressão de “fazer parte de um grupo de amigos”, revezando-se entre a informação e a opinião.

Tsunami de delações

Com esses dois fenômenos paralelos, o Brasil de hoje criou um ambiente absolutamente único. A Lava-Jato e a consolidação das “delações premiadas” como instrumento primordial de julgamento e aquisição de provas, trouxe uma transformação não esperada para o ambiente político.

Isso ocorre numa velocidade nunca antes vista, em que nenhum dos personagens políticos tradicionais da atualidade soube se atualizar e se adequar à situação. O que temos é um tsunami de novas interpretações de velhas normas que levam a classe política a nadar na direção contrária à corrente e, um a um, se afogam.

Distorções da realidade

Aliado a isso, o acompanhamento da imprensa sobre esse e outros temas políticos moldou-se à insatisfação popular, levando o gênero jornalístico a debater “o que deveria ser” e não “o que de fato é”. Essa combinação opinativa com escrita jornalística elevou a importância de alguns veículos frente a seu público alvo e minou a credibilidade de outros diante de públicos de posicionamento político divergente. Expressar parecer político claro por meio de veículos de imprensa é uma novidade no Brasil, e se adequou perfeitamente a era de identificação de opiniões gerados pelas redes sociais.

Nesse quesito, muitas das notícias e análises elaboradas por veículos de comunicação rapidamente adotaram um formato que se encaixa no de conversas esporádicas entre amigos de redes sociais, facilitando assim a sua veiculação e disseminação orgânica. No entanto, para se adequar a esse público e a esse ambiente, as temáticas também mudaram, ou ao menos o “empacotamento” das temáticas mudou.

Com títulos mais sensacionalistas que muitas vezes divergem do próprio conteúdo logo abaixo desenvolvido, essas matérias circulam mais pelas suas chamadas agressivas do que pelo que exploram nos textos. Isso levou à proliferação de blogs personalizados para atender aos anseios opinativos de grande parcela de usuários de Facebook, Instagram e Twitter. Assim, o fenômeno de notícias distorcidas atingiu níveis nunca antes vistos.

Discussão superficial

A Lava-Jato é a peça revolucionária da política brasileira, por meio da varredura generalizada de práticas ilícitas antes tratadas como normais, junto com a informalização de notícias densas. Via redes sociais levaram a sociedade a discutir temas políticos em uma intensidade quase futebolística e superficialidade impressionante.

Comentaristas políticos em redes de televisão, jornais e revistas alimentam essa superficialidade travestida com ares de erudição, por meio da opinião analítica focando, como mencionado anteriormente, no que deveria ser e não no que de fato está ocorrendo.

O efeito da Lava-Jato, naturalmente, até o momento, é muito mais positivo do que negativo. O ambiente político brasileiro, que teve décadas para se organizar em um ente sério e, de fato, representativo, terá de fazer isso à força e em um curto espaço de tempo. O engajamento da sociedade via imprensa e redes sociais nesse mesmo ambiente político, tende a ser bom pelo lado da pressão exercida sobre os políticos, mas ruim pela cegueira causada pela paixão excessiva em grupos políticos e em notícias opinativas que soam como verdade absoluta, mas de fato não são.

Publicado no Blog do Noblat em 06/06/2017

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