Em entrevista ao O Brasilianista, o relator do projeto da Nova Lei do Gás defendeu que a desburocratização do setor será suficiente para atrair investimentos privados
Prestes a ser votado na Câmara dos Deputados, o projeto da Nova Lei do Gás (PL 6407/13) começa a mobilizar o setor, que tenta emplacar mudanças no texto. A pressão parte das distribuidoras, que demandam ações mais diretas do governo federal para tornar o mercado do gás mais atrativo. Mas de acordo com o relator, deputado Laércio Oliveira (PP-SE), o projeto será votado no formato atual e não serão aceitos acréscimos que demandem investimentos do governo federal. Em entrevista ao O Brasilianista, o deputado defendeu que o projeto tenha uma abordagem liberal, no formato apoiado pelo ministro da Economia Paulo Guedes, como forma de viabilizar investimentos privados. “Se tem um setor no Brasil que não precisa de subsídio é o do gás. Existe um conforto muito grande que o mercado vá se arrumar por si só”, declarou.
Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro esteve em Sergipe a convite de Laércio para a inauguração de uma usina termelétrica movida a gás natural. O objetivo era divulgar o projeto de lei ao mostrar a viabilidade de negócios com base no combustível. “O presidente indo para uma pauta positiva como essa demonstra que o projeto que o governo está desenvolvendo é extremamente viável. É uma demonstração de que o mercado do gás brasileiro não precisa de subsídios, não precisa de recursos públicos”, analisou o deputado.
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Apesar de defender que o texto atual é benéfico ao setor, Laércio não descarta que outros projetos de lei possam ser apresentados posteriormente para resolver lacunas deixadas pelo PL. “Se essa lei que a gente quer aprovar na próxima semana não for suficiente, logo em seguida a gente traz outras necessidades que o setor venha ter, a gente apresenta outro projeto e discute de novo”.
O projeto de lei da Nova Lei do Gás deve ser votado na próxima terça-feira (24).
Confira a entrevista completa:
O Brasilianista: Qual é o efeito esperado com uma Nova Lei do Gás?
Laércio Oliveira: O principal ponto do projeto é que ele acaba com o regime de outorga de concessão e coloca um regime de autorização. Isso quebra uma burocracia enorme que existia. Como existem muitas regras, o sistema do gás acaba atuando só com uma porta de entrada e uma de saída. O projeto define novas rotas porque simplifica as autorizações para a construção de novos gasodutos. Outro ponto: desconcentra o mercado e simplifica os negócios, permitindo que vários participantes atuem. Promove a concorrência e a flexibilidade dos contratos, porque permite a independência das transportadoras. Isso permite a elas o acesso aos gasodutos, que serão disponibilizados para todos. Isso é uma vantagem importantíssima, porque antes era restrito apenas a Petrobras. Todos vão poder acessar todas as estruturas que existem no país, evitando barreiras que antes existiam.
O Brasilianista: A visita do presidente Jair Bolsonaro a Sergipe ajudou a pressionar a Câmara para votar a nova lei do gás?
Laércio Oliveira: Não, pressão na Câmara não. A presença do presidente foi para inaugurar uma termoelétrica e sobrevoar uma indústria de fertilizante, que foi fechada há 2 anos justamente porque o preço do gás não oferecia condição nenhuma de continuar a produzir. Então, claro que qualquer movimentação que o presidente faça já chama atenção do país, e o presidente indo para uma pauta positiva como essa demonstra que o projeto que o governo está desenvolvendo é extremamente viável. Está ali, diante dos olhos de quem esteve lá, uma realidade plenamente aplicada. É 100% privada, que não tem recurso público algum. É uma demonstração de que o mercado do gás brasileiro não precisa de subsídios, não precisa de recursos públicos. Se esse setor tiver uma lei que promova segurança jurídica, que permita garantias para que os investidores cheguem ao nosso país, apostem os seus recursos e consigam atuar, dentro de um ambiente seguro, isso basta, não precisa de mais nada.
Mas não houve pressão do presidente para colocar na pauta o projeto. Acho que foi uma consequência natural. Tem quase 60 dias que eu trabalho nesse projeto, ouvindo a todos, conversando com todos. Já há aceitação, não da maioria absoluta, mas da grande maioria.
O Brasilianista: O que houve de evolução nesses 60 dias?
Laércio Oliveira: Houve muita conversa e muitos esclarecimentos. Explicamos o projeto incansavelmente a todos aqueles que se interessam por esse setor. Principalmente que existe uma expectativa muito grande pela atratividade de investimentos, pela geração de emprego, pelo reaquecimento da indústria nacional, pela capacidade de triplicar a oferta de gás no país nos próximos anos. Isso vai provocar uma redução do preço do gás, com potencial de investimento de R$ 60 bilhões nos próximos anos. E a indústria, se utilizando mais efetivamente o gás, substituindo a biomassa, por exemplo, produz um impacto enorme na emissão de gás carbônico. São sinais muito positivos, e diante disso gerou no Brasil uma expectativa muito grande. A gente fala no setor do gás e muitas vezes a gente é levado a pensar “ah, isso só interessa à indústria ou a grandes consumidores”, mas não é. Da forma que está hoje, impacta, pra você ter uma ideia, na cesta básica, porque os produtos são produzidos por um preço muito mais alto do que poderia ser. Na planilha de custos de todas as indústrias, de todos os produtores, o componente gás tem um preço elevadíssimo.
O Brasilianista: O mercado do gás realmente deve se expandir sem que o governo faça investimentos diretos ou promova subsídios?
Laércio Oliveira: Veja, se tem um setor no Brasil que não precisa de subsídio é o do gás. No dia que esse marco começar a ser praticado no país, a expectativa de investimento é de R$ 60 bilhões. E pela grandeza e pelo potencial que o Brasil tem para o futuro, esse volume de investimentos podem aumentar ainda mais. Pra você ter uma ideia, no início do ano 2000, foi quando surgiu o gasoduto, chamado de Gasbol, que importa gás da Bolívia. Esse duto transporta 30 milhões de metros cúbicos de gás por dia. Já expectativa de produção na costa do meu estado de Sergipe, é uma expectativa de produção também de 30 milhões de metros cúbicos de gás por dia. É um gás bom, dentro do próprio Brasil, que pode diminuir a necessidade de importação. Imagine se a gente levar isso pro Rio de Janeiro, que tem uma capacidade extraordinária de produção também.
Então, os poucos críticos que existem desse projeto, já comentaram até a questão da reinjeção do gás. Ora esse, se você pegar de 2010 até 2020, a produção de petróleo subiu assustadoramente, algo em torno de 10 mil barris por dia foi pra um 1,8 milhão barris por dia. O gás veio junto. O Brasil não tem infraestrutura para absorver esse gás todo porque o Brasil era regido por uma lei monopolista. Não se fez desse período até hoje sequer 50 metros de dutos no Brasil, justamente por causa da burocracia exagerada que estava aí. Qual é a solução que o produtor encontra? Se ele não tem para onde escoar esse gás e no Brasil ele não tem infraestrutura para recepcionar esse gás, esse gás é reinjetado no poço de volta. Isso causa um prejuízo claro ao país, ao estado, que perde voz como um todo.
Existe um conforto muito grande que o mercado vá se arrumar por si só. Se essa lei que a gente quer aprovar na próxima semana não for suficiente, logo em seguida a gente traz outras necessidades que o setor venha ter, a gente apresenta outro projeto e discute de novo, contanto que a gente consiga atingir nosso objetivo que é exatamente abrir esse mercado brasileiro para o gás com incremento muito grande na oferta de emprego, na arrecadação de royalties e de impostos.
O Brasilianista: Essa termelétrica que o presidente visitou no Porto de Sergipe, ela importa gás natural liquefeito (GNL), que não é exatamente o que o projeto da Nova Lei do Gás quer incentivar, certo?
É verdade. Da mesma forma que o Gasbol. Mas, se o gás que vai mover a térmica no Sergipe vem do Catar, ele só é importado porque tem preço competitivo. Não dá pra mover uma térmica comprando gás ao preço praticado por aqui. Esse cenário vai continuar o mesmo? Pode ser que continue. Mas o que eu posso dizer é o seguinte: o Brasil não vai ficar dependente de gás importado. A partir do marco do gás, o mercado se abre, os investimentos chegam, a infraestrutura vai ser aperfeiçoada e vai crescer consideravelmente. A Argentina tem 14 mil quilômetros de gasodutos e os Estados Unidos tem 400 mil. Respeita-se a particularidade de cada país, mas nós temos potencial enorme de oferecer gás brasileiro e a abertura desse mercado vai reduzir do custo, nos igualando aos outros países. Então, de repente, trazer gás importado deixe de ser interessante. Como todo negócio, quando você tem competitividade você começa a ter preços melhores.
O Brasilianista: O senhor já teve algum relato de alguma empresa que está esperando a mudança da legislação para poder investir no setor?
Dezenas. Existe uma realidade hoje em que a indústria opta por queimar biomassa, mesmo com um duto de gás passando na porta. Isso porque a lenha é mais barata do que o gás que passa na porta dele. A indústria tem sofrido muito com isso. É a solução que o industrial encontrou para conseguir vender o produto dele. Com a nova lei a indústria vai voltar a crescer e ter competitividade.