O Brasil não tem cacife para entrar no Conselho de Segurança da ONU


O Brasil busca um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas há 70 anos, desde a fundação da ONU, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Uma das formas de os Estados Unidos atraírem o Brasil para combater junto com os aliados foi justamente acenar com a possibilidade de participarmos de uma espécie de Comitê de Segurança depois do conflito.

Desde então, com intensidades variadas, o Brasil retoma o assunto, valendo-se do justo argumento de que há necessidade de uma reforma dentro do próprio Conselho. À frente do pleito, o respeitado e competente Itamaraty sempre fez tudo o que estava ao seu alcance para que o Brasil integrasse a elite do clube mais exclusivo da política internacional.

Na minha percepção, infelizmente o Brasil não tem condições de ser membro permanente no Conselho de Segurança. Essa meta, perseguida há anos, demonstra a imagem distorcida que temos de nós mesmos. Obviamente, me exponho a críticas por não apoiar meu país na disputa para integrar o grupo mais poderoso do mundo, mas é por ser patriota e entender nossas limitações que sou contra.

Nos últimos 20 anos e, principalmente, nos governos Lula e Dilma, o Brasil deu exemplos de incompetência que geraram calafrios na comunidade internacional diante da possibilidade de ingressarmos no Conselho como membro permanente. Para fazer parte dessa reunião de potências mundiais, as boas intenções não bastam. Não podemos nos valer do velho adágio político de que “uma vez lá, faremos assim e assado”. O bom exemplo deveria vir antes.

Entretanto, não temos capacidade de prover segurança nem aos cidadãos brasileiros. Basta ver que todas as capitais experimentam um aumento estrondoso nos níveis de violência. A possibilidade de equiparação das forças policiais com as do crime se perdeu há muito tempo. Em Brasília, por exemplo, a criminalidade aumentou 70% em duas décadas. Conselho de Segurança?

Um tema recorrente no Conselho de Segurança da ONU é o terrorismo. Todos os membros permanentes (Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido) já lidaram com situações definidas ou interpretadas como tal. No Brasil, no entanto, o assunto nem considerado é. Uma eventual lei antiterrorismo é evitada, e entre as várias justificativas apresentadas destaca-se a do ex-presidente Lula, que acredita que “não precisamos de lei antiterrorismo, pois não temos tradição de convivência com o terrorismo”.

Ora, nenhum país tem tradição de convivência com o terrorismo até passar a ter. Logo, um potencial terrorista pode circular pelo Brasil com cartão de visitas, se quiser, e ser preso apenas quando o crime for cometido, e na forma como o eventual crime/atentado se enquadrar na lei brasileira.

Direitos humanos é outro tema que se discute sistematicamente no Conselho de Segurança. Questão polêmica, gera acusações incessantes entre os membros permanentes. O Brasil é um ator forte e influente nessa área. Respeitado, o país sempre soube se posicionar de modo pertinente em vários debates sobre DH. Boa parte desse êxito deve-se ao Itamaraty e à sua formidável equipe de diplomatas, preparados para abordar o assunto. Mas quando o posicionamento brasileiro no setor é visto pela ótica das políticas públicas, surgem diversos problemas. A começar pelo estado das penitenciárias, que simbolizam a imagem do descaso do governo em relação ao tema.

Nem entremos no descaso para com a educação, o que nos deixa em um ranking abaixo do da Albânia e pode até ser considerado violação de direitos humanos. A postura do Itamaraty em relação aos avanços dos assentamentos judeus, a favor ou não, é bem sólida e recorrente ao longo dos anos. O comportamento do governo Dilma em relação à violação de direitos humanos na Venezuela tornou-se uma política palaciana.

Outra credencial para integrar o Conselho de Segurança é a musculatura bélica do país, exigência a que todos os seus membros permanentes atendem de sobra. Afinal, por se tratar de um CS, seus integrantes devem estar prontos para intervir em situações complexas. Aliás, quem não concorda com eventuais intervenções não pode pedir para participar de jogo tão complexo. Mas num país como o nosso, onde as Forças Armadas são abandonadas por governos que nunca entenderam sua real função, como responderíamos a esse quesito? Orçamentos que não se cumprem e sucateamento de armamentos se tornaram regras. Sem falar da compra de 36 caças, que soa como brincadeira, já que as grandes potências dispõem de 2, 3, 5 mil caças. No item munição, teríamos o suficiente para um dia de combate em caso de guerra. Talvez nem isso.

Quando nos inserimos no grupo que conta com Alemanha, Japão e Índia na busca pela inserção como membro permanente, percebemos rapidamente que não nos equiparamos a eles naquilo que podemos oferecer. Soft power é importante e muito útil, mas não para um Conselho de Segurança. Esses três países exercem uma liderança em suas regiões muito maior do que a liderança imposta há alguns anos pelo Brasil na América do Sul. Liderança que não foi lembrada por Cuba quando as conversas com os Estados Unidos foram retomadas. Liderança esquecida pelo governo da Colômbia e pelas Farcs enquanto negociam um acordo de paz. Liderança também relegada a segundo plano quando Evo Morales nacionalizou refinarias da Petrobras e quando o governo Cristina Kirchner bloqueou a entrada de produtos brasileiros na Argentina, apesar da existência do Mercosul.

Síria? Estado Islâmico? Balança de poder? Negociações nucleares? Não temos um governo com condições intelectuais nem psicológicas para tratar de temas como esses. Se somos incompetentes para enfrentar mosquitos, software para declaração de imposto de renda, vazamento de provas do Enem e envio de bolsas para estudantes do Ciências sem Fronteiras, como conseguiremos discutir assuntos mais complexos?

Antes de pensar em cuidar do mundo, temos de aprender a cuidar de nós mesmos. Adoramos os finais felizes e o reconhecimento, mas não temos muito interesse em conhecer o caminho para chegar até lá. A educação pública no Brasil é vergonhosa. O ensino médio faz o papel do ensino fundamental, enquanto nossas universidades equivalem ao ensino médio. Nenhuma faz parte da elite das universidades do mundo. As capitais do Brasil estão cada vez mais violentas. Um mosquito foi capaz de colocar uma nação de joelhos, amontoada em hospitais sem equipamentos. Precisamos, sim, de um Conselho de Segurança – um Conselho em Brasília que olhe para os limites de nossas fronteiras na tentativa de deixarmos de ser um país criança para, um dia, nos tornarmos um país adulto.

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