O pós-impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff trouxe consigo uma mudança de paradigma na relação do Estado com o mercado em pelo menos duas dimensões: a) econômico-fiscal e b) ético-moral. E isso, além de vitória, parece tranquilizador para o investidor/empreendedor.
A primeira dimensão decorre, de um lado, da recusa do mercado à intervenção do governo em seus negócios – seja escolhendo campeões, via bancos públicos, seja restringindo margem de retorno via regulação – e, de outro, pela rejeição à ampliação do gasto público sem bases sustentáveis.
A segunda em consequência, de um lado, da intolerância da sociedade a desvio de conduta, e, de outro, da aplicação de punições cíveis e penais a todos que forem flagrados descumprindo a lei, seja no caso do agente público, praticando advocacia administrativa ou se beneficiando da vantagem indevida, seja no caso do empresário, praticando corrupção, concorrência desleal, tráfico de influência ou lavagem de dinheiro, entre outros crimes.
Assim, independentemente da visão ideológica dos futuros presidentes, frente à situação fiscal do País e às leis de transparência e combate à corrupção, eles estarão na contingência de, nesse campo, fazer o que é necessário e não o que seja politicamente conveniente.
Exercerão plenamente, em plena sintonia com sua plataforma de campanha, suas relevantes funções de chefe de governo, chefe de estado e líder da nação, mas não poderão ser perdulários nem intervencionistas, pelo menos a ponto de sufocar os contribuintes e afugentar os investidores.
Nesse diapasão, a política intervencionista da ex-presidente Dilma teve efeito pedagógico, demonstrando que o capitalismo rejeitará todo e qualquer governante que quiser interferir na margem de retorno ou tentar promover gastos permanentes de modo insustentável. Dilma, nesse ponto, despertou o instituto animal do empresariado, para o qual a liberdade na busca do lucro é intocável.
Por sua vez, a revelação das práticas anti-republicanas na relação dos governos com o mercado, como o pagamento de propina em troca de favores ao setor privado, embora não seja fato novo, igualmente teve efeito pedagógico, principalmente graças a legislação aprovada entre 2010 e 2015, em especial a atualização de lei de lavagem de dinheiro (Lei nº 12.683/11), a lei geral de acesso à informação (Lei nº 12.527/11), a lei de conflito de interesse (Lei nº 12.813/13), a lei de responsabilização da pessoa jurídica (Lei 12.846/13) e a lei de delação premiada (Lei nº 12.850/13).
Com esse arsenal de legislação, os órgãos de fiscalização e controle ganharam autonomia em sua atuação, passando da condição de órgãos de governo para órgãos de Estado, com seus servidores dispondo de instrumentos e ferramentas só acessíveis antes aos integrantes de Comissões Parlamentares de Inquéritos – CPIs. Além disso, a renovação dos quadros nessas estruturas, como ingresso sistemático de servidores concursados nos últimos 15 anos, também contribuiu para ampliar a capacidade de ação autônoma desses órgãos.
Nessa perspectiva, aquilo que veio à tona e que enojou a todos, pelas relações promiscuas entre o governo e o mercado, foi positivo porque, embora essa prática possa se repetir, ela será punida civil e penalmente. Isso representa um avanço na administração pública brasileira.
Entretanto, o excesso de rigor na adoção do novo regime fiscal poderá colocar em risco essa mudança. É que a equipe econômica de Michel Temer, na ânsia de rapidamente reverter o desequilíbrio fiscal, está comprometendo a manutenção de serviços essenciais, com a política de crescimento real zero do gasto público por 20 anos, o que poderá provocar revolta popular pela incapacidade do estado de atender demandas básicas da sociedade. O ajuste fiscal inflexível, além disso, pode colocar em risco a própria atuação das atividades exclusivas de Estado, inviabilizando investimentos em tecnologia, ações executivas e a própria preservação dos seus quadros de pessoal.