Esquerda e Direita e o MERCOSUL como palco para luta política


Pressionado pelos movimentos de esquerda regional, o Uruguai marcou para sábado, 30, a Cúpula do MERCOSUL em que pretendia entregar o comando do bloco à Venezuela, como manda a regra. Pressionado também pela direita que não quer ver um regime como o de Nicolás Maduro, chefiando o principal bloco econômico regional, Montevidéu não via a hora de se livrar desta situação.

O encontro acabou sendo cancelado, pois Brasil e Paraguai não participariam. O Uruguai entregou um informe de gestão que marcou o encerramento de sua presidência e, mesmo sem cerimônia ou ato qualquer, a Venezuela se autoproclamou no comando do bloco, o que é considerado ilegítimo por dois dos membros fundadores do MERCOSUL.

No dia 4 de agosto, os coordenadores nacionais do MERCOSUL se reuniram em Montevidéu sem a presença da Venezuela que não aceitou participar do encontro. A única decisão adotada foi marcar uma nova rodada de discussões para 23 de agosto. O quadro neste momento mostra Brasil e Paraguai absolutamente contrários à presidência venezuelana, o Uruguai a favor de Caracas e a Argentina em cima do muro.

A tendência é que a crise interna seja agravada, mas o que está em jogo não é o futuro do MERCOSUL, sua reestruturação e fortalecimento ou a revisão de suas normas que poderiam torná-lo mais atrativo para investimentos extrarregionais. Muito menos acordos de livre comércio essenciais em momentos de crise econômica aguda. O que está em jogo é a disputa político-ideológica entre esquerda e direita.

Com as crises que resultaram nas derrotas do chavismo na Venezuela (eleições legislativas), do kirchnerismo na Argentina (presidenciais), no referendo constitucional boliviano (em que Evo Morales pretendia perpetuar-se no poder), e culminando com o impeachment da presidente Dilma Rousseff no Brasil, a esquerda que chegou a dominar politicamente grande parte da América Latina se vê numa verdadeira encruzilhada.

A transferência da presidência pro tempore do Uruguai para a Venezuela nem de longe pode ser considerada uma vitória, mas representaria um fôlego para os movimentos chamados “progressistas”. Seria muito mais um alento uma vez que o comando da UNASUL – que a Venezuela preside desde abril – não representa absolutamente nada neste momento.

Os principais países da região simplesmente deram as costas para o organismo conduzido pelo ex-presidente colombiano Ernesto Samper, considerado um mero títere dos regimes bolivarianos. Devem fazer o mesmo em relação à Nicolás Maduro.

Há questões muito mais relevantes a serem debatidas caso os países membros tenham, de fato, interesse no relançamento do MERCOSUL. A Venezuela tornou-se o 5º membro pleno do bloco em 2008. No entanto, adotou apenas cerca de 70% do seu acervo normativo.

No dia 12 de agosto, vence o prazo de quatro anos que o país tinha para adequar-se, como os demais, às regras do MERCOSUL. No entanto, o país ainda terá de incorporar 347 normas (109 Decisões, 217 Resoluções e 21 Diretrizes) e 36 tratados do MERCOSUL atualmente vigentes. O não cumprimento dessa regra torna a Venezuela passível de suspensão. Neste caso, trata-se de uma questão técnica e jurídica. Não política.

Diante deste cenário onde a disputa é ideológica e não pragmática, a tendência é de novo fracasso. O MERCOSUL rege-se por consenso. Basta que apenas um país se oponha às decisões para que estas não possam ser implementadas. Brasil e Paraguai já deixaram claro que não aceitam a Venezuela no comando do MERCOSUL.

Em represália, a Venezuela cobra na Justiça internacional quase US$ 300 milhões do Paraguai por combustível entregue àquele país. Houve uma época não muito distante em que Caracas comprava apoio com petróleo. Fez isso na gestão do pseudo-esquerdista Fernando Lugo, afastado por impeachment em 2012.

A decisão fez com que o Paraguai fosse suspenso do MERCOSUL. A suspensão paraguaia articulada por Cristina Kirchner, Dilma Rousseff, José Mújica e Hugo Chávez, permitiu que a Venezuela ingressasse no bloco como membro pleno. Agora, Assunção devolve a gentileza.

A acefalia em que se encontra o MERCOSUL é apenas mais um triste capítulo nesta história, onde tanto esquerda como direita buscam deixar suas digitais e onde os interesses maiores da integração regional ficam, mais uma vez, em segundo plano.

Marcelo Rech é jornalista e analista no Instituto InfoRel de Relações Internacionais e Defesa. E-mail: inforel@inforel.org.

 

 

Postagens relacionadas

Institutos de pesquisa confrontam os likes do Twitter de Bolsonaro

Institutos de pesquisa confrontam os likes do Twitter de Bolsonaro

Possível liberação do aborto de fetos com microcefalia pelo STF é criticada na CAS

Usamos cookies para aprimorar sua experiência de navegação. Ao clicar em "Aceitar", você concorda com o uso de cookies. Saiba mais