E se fosse FHC


O presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) recebeu R$ 75 milhões em propina. Os recursos irrigaram as campanhas eleitorais do tucano em 2010 e 2014 na forma de doações legais. A informação partiu de um dos empreiteiros que fizeram delação premiada à Procuradoria-Geral da República.

O PT, que defende o impeachment do presidente, considera não haver mais dúvida do envolvimento de tucanos no escândalo que identificou desvios bilionários da Petrobras. FHC, investigado pela operação Lava-Jato, segundo o ex-líder do governo no Senado, tinha conhecimento de todos os ilícitos na estatal.

Os dois parágrafos acima esboçam uma conjectura fácil de formular para os que acompanham a política brasileira. Basta substituir, nas chamadas dos veículos de comunicação, o nome de Dilma Rousseff por FHC, do PT por PSDB.

Quem conhece a agremiação fundada em 1980 tem ideia do barulho que sua militância estaria promovendo, e a virulência como suas lideranças agiriam. Bastaria apenas que pairassem suspeitas de corrupção e ilegalidades semelhantes às que se acumulam contra o atual governo.

Afinal, o PT patrocinou pedidos de impeachment contra os ex-presidentes Fernando Collor, Itamar Franco e FHC. Em nenhum daqueles, ao que consta, a sigla considerou tratar-se de golpe. Contra a mandatária, porém, o impedimento virou golpismo.

Estivessem hoje os papéis invertidos, a turba de militantes arregimentada estaria ao lado dos “coxinhas” e dos “fascistas”. Claro, não seriam “coxinhas”, mas cidadãos mobilizados contra a corrupção, a inflação e o desemprego. Qualquer petista honesto sabe que assim atuaria o PT.

Criação e criador

Ora, a descoberta dos malfeitos hoje só é possível graças aos governos do PT, que, diferentemente dos antecessores, não interferiram nas investigações, justificam governistas. O argumento, usado como salvo-conduto, não serve como atenuante.

Se verdadeiro que o PT patrocinou a independência do trabalho de investigadores, talvez tenhamos um revival de O Bem Amado, de Dias Gomes. Dilma Rousseff no papel de Odorico Paraguaçu; o juiz Teori Zavascki no de Zeca Diabo.

Odorico, o prefeito de Sucupira, busca, durante a trama, inaugurar seu cemitério municipal. Eternizado pela performance de Paulo Gracindo na versão televisiva, o prefeito acaba estreando sua obra, depois de alvejado por Zeca Diabo (Lima Duarte, no folhetim da TV Globo). Logo saberemos se, como na ficção, a criação engolirá o criador.

A Lava-Jato é seletiva e mira sobretudo o governo Dilma, também serve como autodefesa. Se, de um lado, este parece ser o viés da operação, do outro, a égide dilmista ensaia buscar o “locupletemo-nos todos”. Além disso, é o governo em tela que gere orçamento de R$ 3 trilhões, e a malversação do erário foi, em grossa maioria, comprovada.

Remover Dilma para colocar Michel Temer vai ser pior, esgrimem com frequência dilmistas. Contradizem-se aqui. Ou bem defendem a Constituição, e o vice deve assumir, ou abandonam a Carta Magna como argumento.

E se Temer for alcançado pela Lava-Jato ou pela Justiça Eleitoral? Novamente a Constituição: novas eleições seriam convocadas. Além do mais, PT e PMDB amalgamaram-se de tal forma que pouca diferença resta.

Derradeira alegação, o Congresso vai condenar uma “mulher inocente”. O raciocínio, levado ao paroxismo, sugere que uma presidente ilibada, mas inepta, tem o amparo constitucional para quebrar a economia do país.

“Corrupção cívica”

Parte dessa postura pode ser entendida quando se compara a agremiação a uma seita. Posiciona-se ela como única capaz de fazer o bem ao povo, pois imbuída do gérmen da magnanimidade. “Como se o PT fosse o único depositário da decência na política nacional, coisa que não é”, sustentou o sociólogo José de Souza Martins, em entrevista recente ao Valor Econômico.

Na visão petista predomina o pensamento de que a gatunagem de esquerda é necessária, pois beneficia os desafortunados. Para o sociólogo do ABC, como alcunhou a repórter Malu Delgado, a ideia é que “corrupção de esquerda é a corrupção para o bem, não é para enriquecimento privado”.

É a “corrupção cívica”, na irônica definição de Martins. Ainda de acordo com a doutrina esquerdista, muitas ações heterodoxas se justificam para evitar que a direita volte ao poder. O modelo, por ironia, assemelha-se àquele pregado por Sérgio Motta, pensador tucano já falecido.

Em 1995, ele sustentou que o PSDB deveria ficar pelo menos mais 20 anos no poder. Para desgosto de ambos, as semelhanças entre tucanos e petistas vão além da origem na ditadura militar.

Legalidade

Resta, assim, improcedente taxar como golpe a deposição da presidente. Também aqui assemelham-se PT e PSDB.  Ao defender o impedimento do ex-presidente tucano, petistas argumentaram que FHC cometera “estelionato eleitoral”.

No direito, o rito do impeachment de Dilma Rousseff estriba-se em decisão do STF de dezembro de 2015, festejada por governistas. Além disso, para demover a mandatária serão necessários os votos de dois terços dos deputados e dos senadores, em votações distintas e abertas.

O arrazoado situacionista já foi rejeitado pelo STF. Juízes daquela corte, ativos e inativos, respaldam a legalidade. “Não se trata de um golpe”, pontuou Dias Toffoli, membro da corte de inequívoco DNA petista. A antes decantada The Economist arremata: “Quando um golpe não é um golpe”.

Sobram, a defender a tese do golpismo, néscios e dilmistas. Para os últimos por conveniente e bem engendrada propaganda política. Agora, para preservação do status quo e mobilização das massas. Depois, em caso de deposição, para brandir como escapatória.

As alegações dos que defendem o governo Dilma servem ainda como cortina de fumaça para camuflar a derrocada do projeto que pregava a ética como diferencial partidário. Mas que, treze anos depois, lega a desesperança autofágica na política – talvez a mais perversa de todas as heranças.

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