Crise e fragmentação política


Com o Brasil precisando urgentemente de uma mudança profunda de rota, que exige competência técnica e política, liderança e coragem para se implantar reformas e novas estratégias de enfrentamento dos problemas, a verdade é que assistimos a um quadro de fragmentação tal que nenhum protagonista é capaz de fazer valer suas ideias e propostas. O país permanece imobilizado.

Dilma não se livra do risco do impeachment, mas os que o defendem não conseguem concretizá-lo. A presidente progressivamente perde legitimidade e estará de qualquer modo extremamente fragilizada para exercer sua liderança, mesmo depois de passada a fase judicial de um possível afastamento, independentemente do resultado que der.

O Congresso, paralisado, vê erodir a níveis alarmantes sua imagem pública, assiste seus líderes se tornarem alvo da Lava-Jato, seus procedimentos são reescritos pelos tribunais que não se inibem de legislar no lugar dos parlamentares e assim o Legislativo acaba se ocupando quase exclusivamente de infindáveis escaramuças políticas.

A agenda central do país se concentra nas denúncias de corrupção sistêmica, impeachment presidencial, cassação do mandato da chapa Dilma-Temer pelo TSE, implantação do semi-presidencialismo, mas no meio da grave crise econômica, há consenso de que não há tempo a perder e é preciso governar já. Nem essa, todavia, parece ser a prioridade presidencial, que mesmo quando tenta adotar alguma tosca iniciativa, acaba se ocupando mais em apenas manter-se no cargo.

A contradição vira regra. É preciso reduzir o déficit publico, mas o governo não apenas resiste a adotar as medidas amargas que isso implica como põe em prática medidas que o agravam, como é o caso do salário mínimo. As promessas de diminuições de cargos comissionados se perdem no vento. A reforma política deve ser feita pelos próprios beneficiários do sistema vigente. A reforma da Previdência se contradiz com as conveniências políticas do momento, a exemplo da CPMF – que muitos economistas afirmam ser incapaz de resolver substancialmente ainda que parte do problema fiscal – é proposta aversiva à população e praticamente inaceitável até por falta de credibilidade do governo quanto a destinação e usos da mesma. Os governadores – e não só eles – demandam favores e verbas federais para seus projetos, mas os recursos são escassos, tudo isso sem falar nos juros ameaçadores e nos indicadores declinantes de crescimento, investimento e emprego.

Neste contexto, há os otimistas que se confortam com a “demonstração democrática” do funcionamento das instituições no curso da crise. Se, todavia, as instituições democráticas estivessem, realmente, funcionando adequadamente o país teria encontrado uma saída para o impasse político em que nos encontramos. Sua função não é simplesmente autopreservar-se, mas instrumentalizar saídas.

No mesmo foco, não se pode, em sã consciência, falar contra o impeachment com base no respeito à vontade das urnas, se os eleitos contradizem suas próprias propostas – pelas quais ganharam o voto popular e se elegeram – uma semana depois de proclamado o resultado.

Não se pode, também, falar em preservação democrática quando informações de processos e investigações protegidas por segredo de justiça são trazidas sistematicamente à imprensa, atingindo prematuramente figuras de todas as searas, sejam ministros, parlamentares ou empresários.

Não se pode falar, ainda mais, em respeito à democracia quando um presidente do STF se recusa a receber privativamente – como mandaria a liturgia – o presidente da Câmara dos Deputados que havia agendado reunião para tratar de assunto pertinente urgente e relevante, como era o caso das regras de tramitação de eventual impeachment e, assim, patrocina a presença da imprensa no encontro.

Em outro plano, quando um presidente eleito se choca frontalmente com seu próprio vice, dois meses depois de eleitos, pode-se dizer tudo, menos que estejam respeitando a vontade das urnas. Há muito a aprendermos todos – políticos, empresários, jornalistas e cidadãos – sobre os modos de exercitar o estado democrático de direito.

Isso para não falar dos inúmeros conflitos entre órgão e poderes: judiciário versus legislativo, legislativo versus executivo e tantos outros similares envolvendo TCU, Polícia Federal, PGR etc que fazem parte do travamento das engrenagens institucionais. Aplaudir ou aceitar tais condutas em função de nossas simpatias ou antipatias pessoais é algo totalmente estranho ao referido estado democrático de direito ou ao respeito à democracia e seus princípios.

É preciso uma intervenção nova, que oxigene o ambiente político e crie uma alternativa para o país. Alguns esforços vêm sendo tentados com maior ou menor exposição e chances de sucesso. Um deles é o encontro mensal de governadores, combinado para se realizar mensalmente sob os auspícios do governador do PSB do DF, e capaz de se constituir numa instância política informal de peso a influir nos rumos do país.

O fundamento das dificuldades que vivemos pode ser resumido como crise de confiança entre instituições e agentes públicos e privados, e o peso de um colégio amplo de governadores não pode ser desprezado. Se compreenderem responsavelmente esse significado potencial de seus encontros, podem vir a dar significativa contribuição à superação dos impasses. Caso contrário, ficarão restritos à apresentação de suas listas de demandas e posicionamentos estaduais, assistidos por suas conveniências políticas particulares e vitimizados pela mesma fragmentação política que imobiliza a nação.

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