A França de Macron pode ser o avant-garde do Brasil de 2018


As vitórias de Donald Trump e, sobretudo, de Emmanuel Macron, que se tornaram presidentes dos EUA e da França, provocam ondas de reflexões mundo afora. Como não estamos isolados, os ventos do Norte sopram em nossas encostas.

Ambos venceram os pleitos – o primeiro em 2016, o segundo em 2017 – contra as previsões preliminares. E, mais relevante para nossa hodierna realidade, com desconfiança do partido e com desprendimento das siglas tradicionais, respectivamente.

Partidos pra quê?

Em que pese à inexatidão da ciência política, há certo consenso de que nas democracias são os partidos a representação dos interesses da sociedade. No lugar do enfrentamento primitivo, físico, estabelece-se um pacto para acomodar e orientar os diversos pontos de vista contraditórios num mesmo Estado.

Há fundamentos para tal pacto. Além de institucionalizar os embates, o partido agrupa pensamentos convergentes, embora não plenamente concordantes. Nuanças diversas percorrem o espectro programático de uma mesma sigla.

Assim, militantes de uma agremiação podem convergir no entendimento de que o Estado deve ser o principal agente econômico interferente, inclusive nas ações de entes privados. Porém, alguns podem aceitar flexibilizar esta premissa na infraestrutura, por exemplo, recusando a privatização mas admitindo a concessão restrita de serviços públicos.

Do outro lado, outro partido defende um Estado enxuto onde os agentes públicos tomam conta apenas do essencial, como a segurança e a saúde. Neste grupo, no entanto, pode haver a discussão se a saúde pública deve ser exclusividade do Estado ou se pode ser delegada à iniciativa privada.

Checks and balances

Este figurino configura internamente um sistema de checks and balances a equilibrar e ponderar as decisões. Uma das consequências deste modelo é evitar personalismos, ou, pelo menos, personalismos excessivos, dominantes.

Com este sistema fica assegurada uma representação ampla e um sistema de freios, onde as decisões tendem a ser coletivas. No pacto interno, vence quem formar maioria.

O que acontecerá se este modelo for ameaçado ou implodido, já que, nos últimos anos, a política como mediadora de conflitos foi fortemente golpeada? O governo de Macron, que criou um partido para chamar de seu, nos ajuda a antever este novo cenário.

A França será doravante um laboratório online. As características culturais e institucionais que aproximam Brasil e França tornam mais relevante a observação do inédito cenário de além-mar.

A “nação start-up” de Macron poderá servir também para uma reflexão que ronda o Brasil pelo menos desde o tempo em que Tancredo Neves converteu-se primeiro-ministro de João Goulart. Neste momento em que o País tenta romper com a corrupção endêmica, o parlamentarismo deveria entrar no debate político-eleitoral que se avizinha.

No Brasil, a fragmentação

Claro, não há como tratar de parlamentarismo sem discutir partidos fortes. Aqui, a rigor, temos duas agremiações que vão além das letras que compõem suas siglas. PT e PSDB não se resumem, como a maioria absoluta, a partidos amorfos.

Quando um ou outro ascende ao poder sabe-se (ou sabia-se), em linhas gerais, o que esperar de suas ações governamentais. O Estado maior ou menor é uma delas.

Há o PMDB, agrupamento que, vista sua amplitude e ramificação, tem como função principal escorar um ou outro lado de nosso espectro ideológico eventualmente alçado ao poder central. Torna-se, assim, indispensável à governabilidade.

O restante é composto por agrupamentos ideológicos barulhentos, mas com força minguada, e por ajuntamentos amorfos, que representam apenas os interesses pessoais e paroquiais de seus chefetes. Estes últimos, alcunhados de “aluguel”, são a maioria – resultado da liberalidade na criação de partidos arbitrada pelos juízes da Suprema Corte.

Sob os escombros, a despartidarização

A déblâce das principais organizações partidárias nativas, consequência sobretudo da Operação Lava-Jato, aparentemente dizimou a maior parte das lideranças que se moviam em direção à sucessão presidencial. Razoável acreditar que, dada a desesperança que adveio desta ruína, o eleitor está mais aberto a caras novas.

Embora a sensatez e a desejada normalidade institucional indiquem que partidos organizados sejam os melhores condutores para o caminho pós-pinguela, na analogia impagável com a qual Fernando Henrique Cardoso definiu o governo Michel Temer, o horizonte próximo pode descortinar um despartidarizado Macron tupiniquim. Ou, a depender do gosto do eleitor, um Trump.

A eleição de 2018, vista deste primeiro quadrante de 2017, sugere a entronização de um outsider, um aventureiro, um arrivista ou um líder de cara nova. Acertar na última opção é tarefa difícil, já que este panorama embute uma nova feição político-partidária, mas possível.

Preparar o caminho de 2018 requererá o empenho cidadão para deixar soterrado no século XX práticas deletérias de exercer a política, como o patrimonialismo, e dicotomias ultrapassadas, como esquerda x direita. Sobre os escombros da economia destroçada temos a oportunidade de construir a senda que nos fará adentrar o século XXI. Novos atores são bem-vindos.

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