No final de outubro, o decreto do presidente Jair Bolsonaro que iniciava estudos sobre a concessão à iniciativa privada de Unidades Básicas de Saúde (UBS) gerou forte reação na sociedade. Lideranças políticas se mobilizaram argumentando que o presidente queria “privatizar o SUS”. Contudo, a participação privada na saúde pública não é novidade no Brasil – há 10 anos o modelo de Parceria Público-Privada (PPP) já é adotado por estados e municípios, que são os gestores da saúde pública.
A forma híbrida de gestão foi inaugurada em 2010 com o Hospital do Subúrbio, em Salvador (BA). As empresas privadas que gerem o hospital são responsáveis tanto pela parte administrativa como pelo atendimento médico, que é feito de forma gratuita. O pagamento das empresas é feito pelo governo estadual.
Um estudo desenvolvido pelos pesquisadores Antonio Pires Barbosa (Universidade Nove de Julho) e Ana Maria Malik (Fundação Getulio Vargas) identificou 24 processos de concessão à iniciativa privada de projetos de construção ou gestão de hospitais entre 2010 e 2014.
“Foram estudadas ou propostas ao poder público 24 PPPs abrangendo a construção e instalação de 26 novos hospitais, 184 novas unidades básicas de saúde (UBS), quatro centrais de imagens digitais, cinco centros de apoio operacional e uma fábrica de medicamentos genéricos, além de inúmeros projetos de ampliação e reformas”, diz a pesquisa. O estudo inclui projetos realizados ou em fase de elaboração.
No total, se incluindo também as PPPs para reforma de unidades, houve participação privada em 328 UBS no período.
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Karlos Gomes, advogado especialista em direito público
“Na prática o decreto não alteraria muito substancialmente o que já temos, uma vez que a privatização do sistema público de saúde não é possível. A constituição deixa bem claro que o SUS é gratuito e de acesso livre a toda a população.
Para que haja uma PPP, é necessário o cumprimento de alguns requisitos: o contrato tem um mínimo de 5 anos até um máximo de 35 anos e um investimento mínimo de R$ 10 milhões, onde o governo arcaria com parte desses custos.
É perigoso falarmos em privatização do SUS porque ele é proibido pela constituição e segundo que isso dificultaria muito o acesso da população ao serviço de saúde, como vemos nos Estados Unidos, onde a população carente tem grande dificuldade de acessar os serviços de saúde sem que isso interfira na renda familiar.
De acordo com a Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (SPPI), órgão vinculado ao Ministério da Economia, “em todos os casos, a gratuidade e a universalidade do SUS são mantidas”.
No estado de São Paulo, por exemplo, tanto o Hospital Regional de Sorocaba como o de São José dos Campos são administrados em regime de PPP. As unidades foram construídas e são geridas por empresas privadas enquanto a área médica é administrada por Organizações Sociais da Saúde (OSS).
“Não há grande novidade na iniciativa. Os dois pontos que devem ser considerados são: fortalecer a qualidade e a oferta de serviços de saúde para a população e reconhecer a imensa relevância do SUS”, avalia o cientista político e CEO da Arko Advice, Murillo de Aragão.
Decreto pode ser reeditado
De acordo com a secretaria do PPI, com o decreto de Bolsonaro, a atuação do órgão seria para analisar os projetos já existentes na área de saúde no país e ampliar sua aplicação. “O decreto foi revogado pelo presidente Jair Bolsonaro após ruídos em relação ao tema e repercussões negativas após sua publicação. O PPI espera rediscutir a agenda, que é importante para o país e nada tem a ver com privatização do SUS”, disse em nota enviada ao Brasilianista.
O próprio presidente Bolsonaro já demonstrou interesse em reeditar o decreto em outro momento.
“Revoguei o decreto, mas fiz uma nota dizendo que nos próximos dias poderemos reeditá-lo, o que deve acontecer na semana que vem”, disse no final de outubro. O decreto ainda não foi reeditado.
De acordo com a nota da secretaria do PPI, hoje existem 4 mil UBS com obras inacabadas que o poder público não tem condições para concluir. Juntas, essas obras já representam um gasto de R$ 1,7 bilhão do Sistema Único de Saúde (SUS).