O que pode mudar com a autonomia do Banco Central?

A autonomia do Banco Central (BC) é mais um tópico de divergência entre o Executivo e o Legislativo. O presidente Lula (PT) critica a liberdade do BC em conduzir a política monetária do país sem correr o risco de demissão. Enquanto, o Parlamento avalia ampliar a independência do BC com uma proposta de emenda à constituição (PEC 65/23). 

Foto: Marcello Casal/Agência Brasil

Proposta de autonomia do Banco Central

A PEC 65/23 altera o art. 164 da Constituição Federal. Atualmente vinculado ao Ministério da Fazenda, o projeto pretende transformar o BC em uma empresa pública com autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira.

De acordo com a justificativa da proposta, a atual autonomia do BC não contempla independência orçamentária e financeira para garantir suas atividades. Por isso, propõe o uso de receitas de senhoriagem para o financiamento de suas despesas. 

Tecnicamente, senhoriagem é o custo de oportunidade do setor privado em deter moeda comparativamente a outros ativos que rendem juros. De forma simplificada, é a receita do governo pela emissão de moeda cujo monopólio é do governo. Segundo a proposta, a receita de senhoriagem é usada para financiamento das atividades dos Bancos Centrais do Canadá, dos Estados Unidos, da Suécia, da Noruega, da Austrália e da Nova Zelândia. Além disso, do Banco Central Europeu.

Habitualmente, essa utilização da senhoriagem prevê regras para transferência de resultados da autoridade monetária para a autoridade fiscal. No entanto, não há a definição das regras na PEC porque a Lei nº 13.820/19 já prevê o uso do resultado do BC pelo Tesouro Nacional para o pagamento da dívida mobiliária federal e a norma não deve ser alterada. 

— Estimativas preliminares sugerem que a receita anual de senhoriagem mais do que cobre o custo do Banco Central do Brasil. Esse volume de recursos, combinado com o esquema de aportes emergenciais do Tesouro Nacional descrito na Lei nº 13.820, de 2019, garante segurança de longo prazo para o financiamento das atividades do BC do Brasil. Nesse sentido, propiciando-lhe autonomia para execução de suas atividades — afirma trecho da proposta. 

Roberto Campos Neto – Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

Além disso, uma lei complementar deve definir os objetivos, a estrutura e a organização do Banco Central com “a ausência de vinculação, tutela ou subordinação hierárquica” da autoridade monetária a qualquer ministério ou órgão da administração pública. Assim, o BC teria, por exemplo, liberdade para realizar contratações de pessoal e gerir os planos de carreira. 

Mas, afinal, o Banco Central já não é autônomo?

Mudanças no Banco Central

A fundação do Banco Central do Brasil, em dezembro de 1964, por meio da Lei nº 4.595, foi motivada pela necessidade de um sistema capaz de acompanhar as evoluções econômicas. A autarquia federal integrante do Sistema Financeiro Nacional (SFN) tinha como função principal ser — banco dos bancos —.

Até 1986, por exemplo, o BC era responsável por fornecer recursos ao Banco do Brasil. No entanto, houve nesse período o ordenamento financeiro com a separação das contas e das funções do Banco Central, Banco do Brasil e Tesouro Nacional. Com isso, as funções de autoridade monetária foram transferidas ao Banco Central, enquanto as atividades como fomento e administração da dívida pública federal passaram ao Tesouro Nacional.

Essa separação se consolidou na Constituição Federal de 1988, que também estabelece a sabatina dos indicados pelo Presidente da República para os cargos de presidente e diretores da instituição no Senado Federal. 

Foto: Marcello Casal/Agência Brasil

No entanto, a Lei Complementar nº 179/21, concedeu o que se chamou de autonomia do BC no âmbito operacional. Assim, o presidente e a diretoria do Banco Central passam a ter mandatos fixos e não coincidentes com o mandato do presidente da República, que perde o poder de nomear e demitir a qualquer momento os ocupantes dessas funções. 

Além disso, a lei complementar pretendia conceder autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira ao BC, transformando-o em autarquia de natureza especial sem vinculação ministerial. Entretanto, o objetivo esbarrou em trecho da Constituição Federal que determina a unicidade orçamentária e a obrigatoriedade de observância da LOA por todas as entidades públicas, inclusive o BCB. 

Por isso, há necessidade de alterar a Constituição. Atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a tendência é que a proposta chegue ao Plenário em junho e também precisa do aval dos deputados federais.

PEC desagrada governo 

A PEC da autonomia do Banco Central estremeceu a relação entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em março, à CNN, Haddad reconheceu a frustração pelo chefe do BC não o alertar sobre a proposta.

— Há alguns dispositivos da PEC com os quais eu não concordo, aliás, não só eu do governo, muita gente ouvida não concorda — declarou Haddad — Eu penso que, em se tratando da Constituição do país, haveria uma conversa prévia. E não houve. Foi isso o que eu disse para o Roberto [Campos Neto].

A relação do Governo Federal com o Banco Central, personificado em Roberto Campos Neto, não é harmônica. Desde a sua posse, o presidente Lula reclama publicamente da política monetária do BC, que manteve a taxa de juros elevada ao longo de 2023 para controlar a inflação. O deputado federal Guilherme Boulos (Psol-SP) chegou a apresentar, em fevereiro de 2023, um projeto de lei complementar para revogar as mudanças no mandato de presidente e diretores da autarquia. 

Foto: divulgação/Ministério da Fazenda

O ministro Haddad foi o responsável por aproximar Lula e Campos Neto. Segundo Haddad, Campos Neto se reuniu com Lula pelo menos três vezes já sabendo da PEC e nada falou. Por sua vez, o presidente do BC afirmou que a proposta é do Legislativo e que o tema não deveria ser tratado desta forma na mídia. 

— O Banco Central pode contribuir com legislativo? Pode. Não teve nenhum projeto que o Legislativo fez sobre o Banco Central em que o Banco Central não teve participação. O que a gente está tentando fazer é uma aproximação do Legislativo com o governo — enfatizou Campos Neto. 

No entanto, o governo Lula é de coalização e conta com ministros de diversos espectros políticos.  A ministra de Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), defendeu recentemete a autonomia do BC.

Críticas à PEC 65/23

Apesar do debate ainda estar em andamento no Congresso Nacional, há considerações sobre o projeto não garantir plenamente a autonomia do Banco Central. 

Foto: José Cruz/Agência Brasil

A principal inovação da PEC é transformar a autarquia em empresa pública, mas a medida pode ser desnecessária, já que a proposta de autonomia do Banco Central é compatível com a forma de autarquia. Além disso, há dúvidas se uma empresa pública poderia exercer poder de polícia como o BC o faz. 

Outro ponto é a sua subordinação ao Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão de composição majoritariamente política. As decisões também permanecem sujeitas à revisão do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), onde o setor privado detém metade dos assentos, seguido do Ministério da Fazenda e da Comissão de Valores Mobiliários. Isso pode gerar espaço para interferência dos poderes político e econômico.

A princípio, a autonomia também não tratará do controle externo à autarquia. Hoje é feito pelo Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU), e a Presidência da República, por meio da Controladoria-Geral da União (CGU). A autonomia poderia, por exemplo, prever a prestação de contas mediante auditorias independentes. Além disso, a publicação de relatórios periódicos e a participação dos seus dirigentes em audiências públicas, mecanismos presentes no regime de transparência do BC.

Com informações do Jota e da Agência Senado

Postagens relacionadas

Lula anuncia Pix de R$ 5,1 mil para famílias atingidas pelas chuvas no RS

Atividade econômica aumenta 1,08% no primeiro trimestre, mostra BC

PF faz teste de segurança em urnas eletrônicas para as eleições de 2024

Usamos cookies para aprimorar sua experiência de navegação. Ao clicar em "Aceitar", você concorda com o uso de cookies. Saiba mais