O ambicioso programa de reconstrução do Rio Grande do Sul (RS) anunciado pelo governo federal mostra a importância do Estado para o presidente Lula (PT). Além da urgência humanitária provocada pela tragédia ambiental gaúcha, e da relevância econômica do RS, principalmente na produção de alimentos, do ponto de vista político, o Estado é estratégico para o projeto lulista e o PT gaúcho.
Entre as medidas anunciadas pelo governo federal para o RS estão:
1) Adiamento por três anos do pagamento da dívida gaúcha com a União;
2) Reconhecimento do estado de calamidade no RS até 31 de dezembro de 2024;
3) Um pacote de ajuda no valor de R$ 51 bilhões, incluindo o pagamento do abono salarial, duas parcelas adicionais do seguro-desemprego, e prioridade na restituição do imposto de renda;
4) Antecipação do Bolsa Família e do Auxílio Gás de maio;
5) Crédito para micro e pequenas empresas;
6) Pagamento de um Auxílio Reconstrução para as famílias atingidas no valor de R$ 5,1 mil;
7) Suspensão por seis meses do financiamento aos mutuários do Minha Casa Minha Vida;
8) Entrega gratuita de uma nova residência a quem perdeu o próprio imóvel; e
9) Reformulação do sistema de proteção de cheias da Região Metropolitana, entre outras iniciativas.
O responsável por coordenar as ações do governo federal será Paulo Pimenta (PT), que se licenciou da Secretaria de Comunicação Social (Secom), sendo nomeado pelo presidente Lula como o ministro extraordinário da Reconstrução do RS.
A indicação de Pimenta para ocupar esse Ministério reforça a importância atribuída pelo governo Lula ao RS. Não por acaso, o ministro escolhido é próximo ao presidente, além de ter pretensões políticas no Estado. Pimenta é cotado para concorrer a governador ou senador nas eleições de 2026.
Vale lembrar que, nas eleições de 2022, o RS foi o Estado da região Sul em que Lula teve seu melhor desempenho. Apesar do presidente ter perdido para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) RS, Lula venceu em Porto Alegre. Aliás, a capital gaúcha foi a única do Sul em que Lula superou Bolsonaro.
Bolsonaro venceu Lula nos três estados da região Sul – 62,40% a 37,60% (PR); 69,27% a 30,73% (SC); e 56,35% a 43,65% (RS) – no segundo turno. Nas capitais sulistas, Bolsonaro venceu Lula em Curitiba (64,78% a 35,22%) e Florianópolis (53,33% a 46,67%). Em Porto Alegre, a vitória foi de Lula (53,30% a 46,50%). Portanto, o RS e Porto Alegre são redutos estratégicos para o projeto lulista. E se tornaram ainda mais relevantes após a tragédia ambiental.
O ousado programa de reconstrução do RS – se for bem-sucedido – tende a provocar impactos políticos importantes para Lula e o PT. Como a região Sul se transformou num reduto bolsonarista desde 2018, o sucesso da reconstrução do RS ajudará Lula a quebrar resistências entre os gaúchos.
Sendo bem-sucedido nesta reconstrução, além do governo federal fortalecer seu slogan – “União e Reconstrução” – Lula, através do trabalho de Paulo Pimenta, poderá ofuscar a atuação do governador Eduardo Leite (PSDB), que busca se consolidar como um dos presidenciáveis da chamada terceira via para 2026, e também o bolsonarismo.
Outra consequência da tragédia será o debate do modelo de Estado. Como a reconstrução do RS exigirá bilionários recursos, esse aporte financeiro virá majoritariamente do governo, pois o setor privado, apesar de sua importante contribuição nesta catástrofe, não tem condições sozinho de viabilizar as vultosas obras que a reconstrução do Estado exige. Assim, a defesa do Estado indutor tende a se impor, fortalecendo o desenvolvimentismo no debate econômico.
O protagonismo do governo federal na reconstrução gaúcha também pode impactar as eleições municipais de outubro. A prioridade que Lula atribui a tragédia ambiental poderá fortalecer eleitoralmente o PT no RS. Hoje, o partido não governa nenhuma das cinco maiores cidades do Estado – Porto Alegre, Caxias do Sul, Canoas, Pelotas e Santa Maria).
Em Porto Alegre, que foi um reduto petista durante 16 anos, sendo a capital internacional de experiências como o Orçamento Participativo e o Fórum Social Mundial, não é administrada pelo PT desde 2004.
Ainda é cedo para projetar os desdobramentos político-eleitorais da tragédia gaúcha sobre o PT. No entanto, o desembarque do governo federal no RS, indicando um ministro extraordinário com pretensões políticas, além da liberação de bilionários recursos, indica que o estado é uma das principais prioridades do governo.
Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), o governo deve anunciar até três medidas por semana de apoio ao RS, sinalizando que o trabalho no Estado irá se estender.
Se Lula obtiver sucesso, além de ganhar terreno num reduto bolsonarista, o PT gaúcho poderá crescer nas eleições municipais, e também em 2026, quando o partido tentará reconquistar o governo do RS, o que não ocorre desde 2010.