Abordei, em coluna passada, a questão da privatização da guerra, determinada pela reação das corporações multinacionais à invasão da Ucrânia. Agora, avalio o desdobramento do tema: o impacto do conflflito na cultura empresarial ESG (environmental, social and governance). Os fundos de investimento em empresas ESG — consideradas ambiental e socialmente corretas e com boa governança — possuem investimentos que ultrapassam 2 trilhões de dólares. Uma pequena fração desses fundos, menos de 10 bilhões de dólares, investiu em empresas russas. Após a invasão, não investe mais, pois não acredita que possa ser aceita como ESG. É uma mudança relevante.
Porém, a questão vai mais além: a ampliação do conceito de empresas ESG, o que foi percebido por André Clark, um dos mais atentos executivos para as transformações no mundo empresarial, como uma espécie de ESG 2.0. O ponto crítico desse movimento reside no fato de que as empresas devem estar livres de amarras e relações nebulosas com governos, sobretudo com aqueles que desrespeitam as regras democráticas e as boas relações internacionais.
E isso não apenas no que tange à corrupção, como evidenciado na Operação Lava-Jato. Mas também em relação a regimes autoritários, ditatoriais e agressivos que, eventualmente, oprimem minorias e não respeitam a boa convivência com países vizinhos. Como investir em uma empresa que se beneficia de regimes antidemocráticos e que não joga dentro das regras internacionais da boa convivência?
“Vivemos uma mudança cultural que incorpora valores de transparência e governança”
Atualmente, muitas empresas e alguns governos ainda podem ser lenientes com regimes antidemocráticos. No entanto, com a expansão da cultura ESG, parcela expressiva do mundo privado (mercado acionário, fundos de investimento, empresas e consumidores) poderá deixar de aceitar relações políticas controversas no universo de seus investimentos. A expansão do conceito ESG para o campo político pode ser gradualmente relevante, atingindo, por exemplo, fornecedores que operam a partir de países vistos como não adequados politicamente.
É evidente que tais transformações não serão imediatas. Empresas vão continuar a comprar petróleo e insumos de países politicamente controversos. No entanto, as exigências do mundo contemporâneo privado decerto vão se tornar crescentes. O que estamos vendo, com a suspensão internacional de operações comerciais com a Rússia, é uma amostra do poder privado em defesa das relações de confiança.
De fato, em parte expressiva da economia mundial vivemos uma mudança cultural que incorpora valores de transparência, governança e respeito a direitos humanos e ao meio ambiente. Importa entender que o mundo ESG 2.0 veio para ficar. E que suas transformações, ainda que graduais, podem ser inevitáveis quanto a separar quem joga e quem não joga dentro das regras.
O Brasil deve ficar muito atento aos ventos das transformações. Temos nossas próprias guerras, por exemplo, a que enfrentamos contra a desigualdade econômica e social e a favor da sustentabilidade de nossos recursos naturais. Os movimentos que hoje estão em curso no mundo livre também podem nos afetar no curto prazo.