No intuito de impulsionar a retomada econômica brasileira, inúmeros deputados, liderados por João Maia (PL-RN), compuseram o Projeto de Lei (PL) 2646/20, que tem por objetivo alavancar os investimentos na infraestrutura pública no curto prazo, com foco na retomada econômica do país no período pós-covid. O projeto tem objetivo triplo: propor a criação de uma nova modalidade de títulos de dívida, as debêntures de infraestrutura, aperfeiçoar as debêntures incentivadas e buscar corrigir barreiras para operação de fundos de investimento em infraestrutura. Na prática, a matéria busca aquecer o setor infraestrutural do Brasil.
Na avaliação do relator do projeto na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), Dep. Luiz Carlos Motta (PL-SP), a proposta deve ser aprovada no Congresso Nacional ainda em 2021.
“A matéria já está bem avançada. Pretendo entregar o relatório nos próximos dez ou quinze dias; é possível que com algumas mudanças pontuais – que talvez nem sejam necessárias. Estou confiante para que o Congresso a aprove ainda em 2021”, afirmou, em entrevista à Arko Advice.
Debêntures de infraestrutura?
Debêntures são um tipo de aplicação financeira na qual o investidor “empresta” dinheiro para que grandes empresas possam custear as suas operações e investimentos. Em troca, o comprador do ativo é remunerado com juros.
No Brasil, a prática foi regulamentada em 2011 por meio da Lei 12.43. De acordo com a legislação aprovada, todavia, apenas as debêntures incentivadas poderiam executar essa forma de investimento.
As incentivadas isentam o investidor de tributação no Imposto de Renda, mas, desde que começou a rodar, atraiu apenas credores pessoas físicas (PF); as companhias, pessoas jurídicas (PJ), não foram conquistadas.
Segundo o Ministério da Economia, a modalidade movimentou, nos anos de 2019 e 2020, cerca de 60 bilhões de reais; e financiaram cerca de 150 projetos de infraestrutura durante o período.
Atrair recursos de investidores PJ é o objetivo dos parlamentares com a formulação do PL 2646/2020, que cria um novo a debênture de infraestrutura. Estas, ao contrário da incentivada, tem como foco as concessionárias de serviço público – empresas privadas prestadoras de serviços públicos (a partir de atos e contratos administrativos).
O que diz o PL das debêntures de infraestrutura?
A principal mudança proposta pelo projeto de lei é criar um outro tipo de debênture cujo incentivo fiscal não é dado ao investidor; e sim ao emissor do papel, a empresa. Com isso, ela consegue oferecer melhores retornos e diversificar a base de cotistas.
Para impulsionar essa novidade, a matéria quer diminuir impostos sobre o lucro para as instituições que emitirem as debêntures. As companhias poderão descontar do lucro tributável em até 30% do valor dos juros pagos no ano, sem prejuízo de outras deduções de juros previstas pela legislação tributária. As regras previstas valem para os títulos emitidos entre a data de publicação da Lei e 31 de dezembro de 2030.
Entretanto, caso a emissão das debêntures destine-se a financiar projetos de desenvolvimento sustentável (energia renovável, prevenção e controle de poluição, conservação da biodiversidade, entre outros), a dedução prevista no projeto será ampliada para 50%.
À Arko Advice, o presidente do Banco Central durante os governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso (FHC), Gustavo Loyola, afirmou que o projeto visto isoladamente é positivo, mas é necessário cautela. “É preciso ter em conta o volume de incentivos e de renúncia de receita que já existe no brasil e o efeito que o PL terá sobre as contas públicas”.
“Já existem muitos títulos que que gozam de algum tipo de incentivo, então isso realmente acaba criando uma redução importante nas receitas tributárias. Essa é a desvantagem da emissão dessas debêntures dessa forma. Não há como reduzir mais do que o Brasil aguenta. Nossa capacidade fiscal está em uma situação complicada: o orçamento em setores como a educação, inovação em tecnologia está sofrendo com falta de dinheiro”, completou.
O projeto permite, além dos cortes tributários, que as debêntures de infraestrutura possam estar na composição de fundos de investimento. Na ocasião, porém, os rendimentos serão contabilizados separadamente e tributados de acordo com as alíquotas mais elevadas previstas na tabela atual do Imposto sobre a Renda. Não haverá desconto.
O objetivo da medida é fomentar o investimento de agentes de mercado que internacionalmente detém forte atuação no setor de infraestrutura, sem, contudo, conceder um duplo benefício tributário a tais investidores (para o emissor e investidor final), evitando, assim, uma renúncia fiscal excessiva e pouco transparente.
“O diferencial do PL 2646/20 é o incentivo direto do emissor da debênture e não o não investidor do título. Todavia, é necessário a noção de que a expansão da infraestrutura brasileira tem de ser feita além das debêntures; elas são uma parte de toda uma cadeia do setor. O investimento nessa área é de suma importância para a recuperação econômica expandir do país”, afirmou o ex-chefe do Banco Central.
Incentivadas e fundos de investimento
Além de criar as debêntures de infraestrutura, o PL 2646/20 altera regras das debêntures incentivadas. A matéria propõe a ampliação do prazo para demonstração dos gastos, despesas ou dívidas passíveis de reembolso a partir da oferta pública das incentivadas.
A modificação é oriunda do prazo atual de 24 meses que, na avaliação do texto, é curto se comparado aos longos prazos dos empreendimentos de infraestrutura. “O prazo pequeno resulta em reduzidas possibilidades de reembolso e eleva os riscos de retorno. A soma desses fatores é traduzida pelo mercado em juros menos atrativos”, afirma o projeto.
Outra novidade é a permissão para emissão de debêntures incentivadas diretamente no mercado internacional (os chamados bonds).
A proposta ainda altera vários pontos da Lei 11.478/07 para permitir que os Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) e os Fundos de Investimento em Infraestrutura (FI-Infra) também invistam em novas áreas, além das previstas na norma (entre outros, infraestrutura social, de iluminação pública, de resíduos sólidos, presídios).
Incentivo importante
Na visão do professor de finanças da FIA/Labfin/Provar, Marco Couto, a proposta é positiva. “Trata-se de um incentivo importante para impulsionar a economia brasileira, debilitada com a pandemia. Até porque elas vieram preencher uma lacuna de financiamento deixada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que vem diminuindo o valor desembolsado ano a ano”, afirmou à Arko Advice.
De acordo com dados do BNDES, nos últimos anos, o montante total investido pela empresa vem caindo. Em 2015, por exemplo, o valor desembolsado foi de 135,9 bilhões de reais. No ano de 2018, entretanto, foram 69,3 bilhões.
A tendência é diferente no setor de infraestrutura. Do total de R$ 69,3 bilhões liberados no ano de 2018, R$ 30,4 bilhões (43,9% do total desembolsado) foram para investimentos em infraestrutura, um crescimento de 13% em comparação com 2017.
“Os investimentos oriundos da emissão das debêntures irão gerar mais faturamento a essas empresas e por conseguinte mais lucro. Este aumento de lucro tributável pode compensar a perda de arrecadação do governo pela renúncia fiscal. Acredito que no geral a iniciativa de emissão das debêntures de infraestrutura será positiva a médio e longo prazo”, disse Marco Couto.