O saudoso senador Severo Gomes costumava dizer que acusações não deveriam ser repetidas. A repetição enfraquece o conjunto, argumentava. É verdade. O ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não caprichou na primeira denúncia oferecida contra o Presidente da República. Faltaram fatos, provas e evidências. Sobraram adjetivos. A denúncia foi rejeitada.
Denunciar o Presidente da República, durante o exercício do mandato, é algo muito sério. Se a controvérsia alcançar este nível de desacordo, a oportunidade deve ser muito bem aproveitada. Soco no queixo. Direto para desmontar o adversário no primeiro minuto de confronto.
Não foi o que aconteceu. O Presidente da República e seus assessores manobraram bem na Câmara. Conversaram, agradaram e presentearam. Conseguiram o que pretendiam. A denúncia foi rejeitada. A segunda denúncia incorre no mesmo erro básico. Repete. Não apresenta provas, evidências ou algo capaz de fundamentar ataque feroz e rápido ao adversário.
Ao contrário, enfraquece o conjunto acusatório e coloca o Ministério Público em posição delicada. Os erros são sucessivos e os equívocos têm interferido diretamente na estabilidade do país. A função da Procuradoria Geral da República é proteger a Constituição e as leis. Não colocar a sociedade em estado de apreensão.
O processo da Lava-Jato avançou muito desde que foi iniciado nos tempos do mensalão. O hábito de pagar um salário extra a deputados para aprovar medidas defendidas pelo governo não era solitário, como se verificou depois. O mensalão foi o começo da aventura da corrupção em grande escala no Brasil.
O hábito percorreu os poderes em diversos níveis e profundidades. Colocou cada um dos protagonistas nos três poderes em situação incômoda. Os parlamentares já se acostumaram com a ansiedade. Mais de vinte dos 44 senadores que votaram a favor de Aécio Neves respondem a processo no Supremo Tribunal Federal. Eles livraram o mineiro pensando no próprio pescoço. A Câmara respondeu. A CCJ encaminhou a segunda denúncia para o arquivo.
O Ministério Público, que se transformou em acusador raivoso e intolerante, também sofreu perdas substanciais. A atuação de um procurador, nos dois lados do balcão, desmoraliza a instituição. A realidade de outro procurador preso durante mais de dois meses sem prestar depoimento também arma céu cinzento e pesado sobre a instituição. Não há ingênuos nesta história.
O presidente Temer foi obrigado a se desfazer de toda sua assessoria direta. Ele paga o preço da feroz oposição do PT – que não perdoa o antigo aliado – e o fato de ter sido vice de Dilma Rousseff. Ninguém votou em Michel Temer. Ninguém o defende, portanto.
As acusações rodam na metralhadora giratória. Vítimas sofrem com balas perdidas em todo o espectro do teatro político. Os jornais televisivos, por exemplo, acolheram um efeito colateral. Passaram a reproduzir vazamentos longuíssimos, transcrições de gravações clandestinas, que precisam ser lidas.
É monótono, desagradável e contraria as leis fundamentais do jornalismo audiovisual, que é constituído de imagem. Mas, ao contrário, as televisões concedem horas e horas a ministros do Supremo Tribunal Federal. É um linguajar difícil, mesmo para advogados. O principal efeito é transformar suas excelências em atores televisivos. Então, os votos que eram proferidos em cinco minutos agora duram horas.
Os vazamentos seletivos passaram a manipular a imprensa. Deixou de haver jornalismo investigativo. O vídeo da delação de Lúcio Funaro estava no site da Câmara desde o final de setembro. Alguém avisou a representante de jornal paulista que havia algo interessante e aberto a ser pesquisado na internet. Houve, portanto, mão invisível para conduzir o jornalista ao tesouro.
A manipulação é geral. Difícil saber em quem acreditar. Hoje, o Supremo Tribunal Federal passou a ser objeto de cobertura por setoristas não especializados. Passou a ser fonte de matéria política.
O Brasil está passando por tremenda dificuldade. Será difícil ultrapassar este momento e retornar ao cotidiano da vida nacional, sem escândalos e acusações incisivas e demolidoras. Até agora, com exceção do trabalho silente, organizado e determinado de Curitiba, o Judiciário tem promovido em Brasília muita espuma e pouco chope.
O Ministério Público não fica atrás. Coloca a República em suspense, mas não entrega o que promete. O desgaste é geral. Todos perdem. E o presidente Temer continua em seu espaçoso gabinete no Palácio do Planalto.
Publicado no Correio Braziliense em 21/10/2017