O risco de 2018


Trabalhei na Constituinte de 1988 como assessor do falecido e saudoso senador Severo Gomes. Ele foi o relator do capítulo da Ordem Econômica. Posso dizer que alguns textos daquele trecho da Constituição foram por mim redigidos. Em meio a pesadas e longuíssimas reuniões, assisti diálogos incríveis e negociações surpreendentes. E com gente da categoria de Marco Maciel, Thales Ramalho, Ulysses Guimarães e outros comandantes da política naquele tempo. Depois de muita troca de ideias alguém sugeria que eu começasse a redigir. Era com máquina de escrever.

Isso é detalhe. Importante era a negociação. Havia na época o centrão, cujo expoente era o também já falecido deputado Ricardo Fiuza. Os adversários se respeitavam. Os acordos, todos de boca, não havia nada escrito, apenas testemunhado, eram rigorosamente cumpridos. Houve momentos em que um lado dizia que iria votar contra determinado artigo do texto, mas se houvesse segundo turno votaria a favor. Era a maneira de não ficar mal com seu eleitorado. O combinado é justo. Assim foi votado o texto constitucional.

Arquivamento da denúncia

Foi o que aconteceu na última quarta-feira na Câmara dos Deputados. Os partidos de oposição, PT e seus satélites, receberam as vantagens pretendidas. Deram o quórum necessário para que a sessão prosperasse. Mas votaram contra o governo, gritaram fora Temer, na frente das câmaras de televisão. Entregaram a vitória ao Palácio do Planalto. Assim os deputados decidiram por 263 votos contra 229 que o pedido de investigação do presidente da República protocolado pelo Procurador Geral da República fosse para o arquivo. Cada um recebeu o que pediu. Para o público, muita gritaria e pouco resultado. Agora, resta lamber as feridas.

Aula de política

Os políticos estão cada vez mais falando para eles próprios. Cessou o encanto com a população. A percepção é de que não há ideologias, existem somente interesses financeiros, comerciais e a preocupação em obter vantagens aqui e ali. O presidente Temer distribuiu dinheiro por intermédio de emendas parlamentares. É importante dizer que é normal, usual e lícito, até compulsório, pagar as emendas parlamentares. Ninguém deve entender a sessão da Câmara como uma disputa entre o bem e o mal. Ali não há ingênuos.

Temer se comporta como quem não tem inimigos, nem adversários. Ele conversa o tempo todo. Na verdade, está dando uma aula prática de política brasileira avançada para alunos pouco aplicados, incluídos nesta lista, boa parte da imprensa brasileira. Dona Dilma deve estar de boca aberta. Era tão fácil permanecer no governo. Bastava dialogar, ouvir, distribuir uma ajuda aqui, outra acolá. Ela, contudo, fechou a cara, vestiu o uniforme da arrogância e saiu corrida do Palácio da Alvorada. Anda por aí fazendo palestras, algumas, surpreendentemente, sobre corrupção na administração pública.

Transmissão ao vivo

Os deputados tentaram fugir do horário do Jornal Nacional. Mas a TV Globo foi atrás deles. Abriu o sinal e colocou suas excelências no ar, ao vivo, para todo o Brasil, durante a votação. Foi o constrangimento final, depois do bombardeio diário que teve início no dia 17 de maio. Não apareceram novas provas contra Michel Temer. As dúvidas permaneceram. A delação do pessoal da Friboi (aliás, a marca desapareceu dos supermercados) rendeu a eles benefícios extraordinários e lucros exorbitantes. Eles estão vendendo seus ativos para se transferir em definitivo para os Estados Unidos, onde construíram um império com dinheiro do BNDES. É o tipo de empresário que agrada o presidente Trump. Leva capital e empregos para lá.

Olhar para 2018

O povo não foi para as ruas, nem bateu panela. O pessoal desconfiou desta vez de seus representantes. Eleição indireta para Presidente da República, nesta Câmara dos Deputados, seria de uma insensatez sem tamanho. Poderia acontecer qualquer coisa. Bons investidores poderiam comprar votos por preços baixos. Melhor deixar como está. A inflação se reduziu, as taxas de juros estão desabando, os números do comércio exterior são positivos e a economia apresenta sinais de melhora. A impopularidade não muda nada. Poucos brasileiros votariam em Temer, mas muitos preferem que ele fique e conclua seu mandato.

Azar de quem apostou contra. A partir de agora é necessário olhar para o futuro. Se nada mudar, os brasileiros estão se aproximando de um cenário desafiador no segundo turno em 2018. Ter que escolher entre Lula, ou Ciro Gomes, e Jair Bolsonaro. Melhor arrumar a casa agora para evitar o pior no próximo ano.

Publicado no Correio Braziliense em 07/08/2018.

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