Os homens são animais depredadores em alto grau, e por natureza. Degradam o meio ambiente com facilidade, extinguem espécies, abusam dos recursos naturais disponíveis e, com isso, criam, pouco a pouco, uma situação insustentável. Agimos, erroneamente, como se os recursos naturais fossem infinitos.
Ecologistas e economistas, como Nicolas Georgescu-Roegen, Paul Gilding e Howard T. Odum, afirmam que a escala atual da economia humana é insustentável: consumimos recursos naturais numa taxa maior do que aquela que a natureza pode repô-los, e despejamos resíduos em quantidades maiores do que os ecossistemas são capazes de absorver. Segundo eles, nossa economia só não entrou em colapso porque estamos consumindo recursos de uma enorme reserva, que está se esgotando. Para alguns, em torno de 2030 ou antes.
A caminho da extinção
Apesar de todo o discurso hodierno em torno da sustentabilidade o homem é atraído, sobretudo, pela insustentabilidade. Utilizando uma imagem cara a Freud, é o signo da morte que o atrai, de maneira predominante. Todos sabemos, desde meados do século passado, dos limites do crescimento econômico imposto pela finitude dos recursos naturais, demonstrado e jamais negado pelos Meadows. Contudo, preparamos, parcimoniosamente, nossa extinção como espécie.
O sinal mais evidente é o aquecimento global, cujos indícios são cada vez mais fortes, apesar do planeta estar ingressando em um ciclo glacial. A cada ano temos um recorde em temperaturas elevadas, com aumento dos extremos (frio e calor) e de eventos críticos (tempestades, furações, ciclones, secas etc). Mas além disso, ampliamos a desertificação e a destruição de solos agriculturáveis; destruímos as fontes de recursos hídricos; reduzimos a biodiversidade e aumentamos a poluição no ar e nos oceanos.
Esse é um comportamento típico da arrogância, da irracionalidade e da ignorância. Comportamento baseado em crenças pretéritas, sem argumentação científica, mas prevalecente. Crença que impede de ver as mudanças que estão ocorrendo em nosso redor.
Se o signo da morte parece estar presente nas nossas relações com a natureza o mesmo ocorre no âmbito das relações sociais. Apesar de todos sabermos que não podemos gastar mais do que produzimos (ou ganhamos), teimamos em achar que isso não é verdade. Teimamos em negar as mais básicas leis da física, da biologia e da economia.
O populismo suicida
O populismo é a versão mais sofisticada desta ação irracional e suicida. O populismo tem sua raiz, entre nós, nos anos 1930, com a ascensão das classes médias urbanas, da nascente classe operária e da periferia urbana, habitada por migrantes rurais que, em grande parte, não obtém alocação no processo produtivo formal que emerge com a industrialização. Vargas é seu grande criador, que adota uma série de medidas que vão beneficiar estes segmentos sociais, estimular a industrialização e a criação de um aparato burocrático moderno. Em 15 anos no poder, o “pai dos pobres”, como Vargas ficou conhecido, mudou a face do País. Ademar de Barros, João Goulart, Brizola e Lula são seus mais conhecidos seguidores. Em suas faces variadas têm em comum a relação direta entre o líder e as massas.
Lulismo
O lulismo é muito maior do que o petismo. Com o encolhimento do partido dos trabalhadores e o crescimento de sua imagem carismática, Lula assumiu o papel de líder populista mais visível e reconhecido no Brasil e na América Latina. Hoje seu discurso político é um discurso messiânico, a política tornou-se religião, crença. Seus adeptos são vez mais fanáticos, incapazes do diálogo, do discernimento, do debate e da argumentação. Para não falar da capacidade de escuta e de autocrítica. Os fatos são destruídos, destorcidos em função da narrativa, da pós-verdade.
O que vale para ele – falta do papel assinado como proprietário do apartamento de Guarujá – não vale para seu adversário – não ter recebido a mala de dinheiro que seu assessor recebeu. A lógica, a argumentação baseada em fatos, torna-se desprezível. A quase centena de depoimentos de origens diversas, denunciando seu envolvimento nos atos de corrupção, que quase destruiu a Petrobrás, não passa de um grande conluio do imperialismo, como eram as denúncias dos campos de concentração e os assassinatos na época de Stalin.
A política populista na raiz da crise
Populistas de todos os quilates, mas sobretudo os que se dizem de esquerda, pregam, hoje aos quatro ventos, contra a definição de um teto de gastos nas finanças públicas, em favor da adoção de uma política populista. Esquecem que foi esta política que nos conduziu, entre 2011 e 2014, ao maior desastre econômico que o Brasil já conheceu. Praticamente, três anos de recessão econômica e números astronômicos de desemprego, cerca de 14 milhões de desempregados e 25 milhões de subempregados. Uma economia sem produtividade, uma dívida que suga a poupança da sociedade, um Estado perdulário, com serviços de má qualidade.
Todos sabemos que há apenas quatro caminhos para enfrentar o aumento dos gastos públicos, quando estes colocam-se acima do crescimento da arrecadação. Quando em situação de crise a arrecadação começa a declinar e os gastos públicos continuam a crescer, só resta: cortar os gastos, aumentar os impostos, ampliar a dívida ou alimentar a inflação. A solução pode ser um misto de tudo isso, mas sem o corte de gastos, sem buscar o equilíbrio entre receita e despesas, não há saída. Todos os outros caminhos são paliativos, às vezes úteis, mas sempre paliativos, e sem folego para durar e, sobretudo, resolver o problema.
Governo Dilma
O governo passado é uma boa demonstração deste dilema. Em 2015 a inflação chegou a dois dígitos e a discussão no seio do governo era articular o corte de gastos com o aumento dos impostos. No entanto, o ministro que defendia esta tese, caiu, resultado da pressão populista. A inflação ameaçava disparar e o governo preparava-se para aumentar os impostos, enquanto a dívida e os gastos públicos cresciam autonomamente.
Em sua indecisão, pois a política do ajuste era um estelionato eleitoral, o governo teve que recorrer em 2015, como anteriormente, a artifícios contábeis não legais para escamotear o buraco financeiro, o que deu argumento jurídico para a oposição derruba-lo. O sucessor de Dilma tomou o caminho do corte de gastos julgando que a sociedade brasileira não tinha capacidade de aceitar mais impostos, a inflação precisava ser contida, assim como, o crescimento da dívida. A inflação caiu com os juros, enquanto a expectativa dos investidores aumentou. Hoje o PIB deixou de cair e arrecadação voltou ou a crescer. Mesmo que de forma ainda muito débil.
O difícil ajuste das finanças públicas
Contudo, predomina nas hostes populistas o mantra de que é preciso gastar mais e de que é absurdo cortar gastos. Predomina a irracionalidade do não reconhecimento de que, assim como a natureza, as finanças públicas têm limites, embora distintos. Mas, toda politica de ajuste é delicada nas opções e na dose. Corte de gastos que atinja o secundário, e não o essencial, demanda atitudes e práticas que o governo e a burocracia estatal não detêm. Demanda senso de prioridade, planejamento, capacidade de gestão, desburocratização do Estado e diálogo com a sociedade, sobretudo para dar legitimidade ao governo no enfrentamento dos interesses corporativos entranhados no âmbito do Estado, tanto dos empresários quanto das castas de servidores bem remunerados.
Como diz o senador Cristovam Buarque, será preciso distinguir o que é público do que é estatal. A escola denominada de pública no Brasil é apenas estatal, porque apesar de permitir o ingresso de 97% das crianças e adolescentes, não lhes oferece uma educação de qualidade. Assim, os brasileiros têm chances profundamente desiguais de autodesenvolvimento. O que não é justo nem democrático.
Irracionalidade populista em 2018
A irracionalidade populista ameaça tornar-se vencedora nas eleições de 2018. Se não vencer o autoritarismo ressuscitado no desastre das politicas populistas do governo passado. Que levará, no primeiro caso, a um claro estelionato eleitoral, pois será impossível não continuar a política de ajuste, a reforma da previdência, a tributária.
O desafio de vencer a irracionalidade populista implica em um choque de mudança na gestão pública, nos procedimentos burocráticos, na revisão da estabilidade, que deve estar restrita aos setores essenciais da atribuição pública, entre outros. Mas, estes são aspectos técnicos, e a eles antecedem os políticos. Fazer com que a população compreenda a enrascada que é a politica populista, e adira ao seu combate, não é tarefa fácil, nem de pouco tempo, nem de um só. Mas, de todos que têm esta compreensão, num embate politico-cultural-ideológico de longo prazo, como pregava Gramsci. Será possível?