A tragédia da era Dilma deixou-nos como herança instituições em frangalhos. Tendo optado por um governo centralizador e autoritário, a ex-presidente Dilma Rousseff concentrou poderes e esvaziou ministérios. “Desinstitucionalizou” quando mandava seu secretário do Tesouro tomar medidas sobre aviação civil e defesa, por exemplo. Agora vivemos a era do hiperinstitucionalismo.
Dilma tomou para si as mais importantes decisões, que deveriam ser compartilhadas com os aliados. Abusou dos erros e terminou sozinha. Navegou contra a institucionalidade em favor de um personalismo voluntarioso que não cabe mais. Abandonou o software do presidencialismo de coalizão sem nada pôr no lugar.
Mas as sequelas da era Dilma são ainda piores, já que nenhum dos Poderes escapou de seus efeitos. O Judiciário foi afetado por escolhas de cunho político que poderiam ter enfraquecido sua independência. Conta-se que algumas escolhas teriam sido justificadas com o argumento de que era preciso “salvar nossos rapazes”.
Pressionada politicamente, a Suprema Corte encontrou apoio na mídia para avançar no rumoroso processo do mensalão e dar curso a decisões cujo alcance é tão louvável quanto questionável. Louvável porque se desmantelou um esquema gravíssimo de corrupção. Questionável porque houve exagero nas punições dos não políticos.
Outra reação se reflete no crescimento do ativismo judicial e na influência danosa da mídia nos processos judiciais. É preciso destacar que a fragilidade do sistema político favorece o surto de judicialização da política que estamos vivemos.
O Legislativo viveu um frenesi de fragmentação em microlegendas por causa da omissão do governo, da Justiça e, sobretudo, dos políticos. Emparedado pelo escândalo da Operação Lava Jato e deixado à míngua em matéria de poder, feneceu. Vingou-se por meio do impeachment e ameaça um período de ativismo. Que será positivo se focado em suas competências e questionável se invadir áreas meramente regulatórias.
Recentemente o Senado anulou resolução da Agência Nacional de Aviação Civil que disciplinava o pagamento de bagagens! Não é papel do Legislativo decidir sobre resoluções de agências regulatórias. Atitudes como essas estimulam a judicialização da política, via provocação do Judiciário para dirimir conflitos.
O Executivo nas mãos de Michel Temer recompõe a sobriedade do cargo. Temer concentra seus esforços numa agenda reformista que, ainda bem, tem apoio no Congresso, mesmo lançando mão em excesso de medidas provisórias. Curiosamente, o mais poderoso dos Poderes se comporta como algodão entre cristais, emulando o caráter ameno e sagaz do presidente.
O comportamento dos Poderes pós-impeachment experimenta um período de recomposição, de busca de maior protagonismo. O que já era desequilibrado tende a continuar como tal. A configuração, contudo, apresenta mudanças. O Legislativo pós-Dilma aprovou mais projetos de lei de autoria dos parlamentares que do governo.
O Judiciário, já nos estertores do mandato anterior, mandou prender senador, impediu a posse do ex-presidente Lula no Ministério e afastou o presidente da Câmara, entre outras decisões de impacto. Abusou também de decisões monocráticas – algumas até absurdas, como a ordem para a Câmara devolver projeto de lei aprovado em plenário que já fora remetido ao Senado! Em 2010 o STF tomou 164 decisões monocráticas em ações declaratórias de inconstitucionalidade, no ano passado foram 241. E vêm mais por aí.
O momento é de hiperinstitucionalismo, fruto das crises política e policial herdadas da era Dilma. Demorará algum tempo para que as coisas voltem a seus devidos lugares, uma vez que tanto a agenda de reformas em debate no Congresso como a chegada, com maior intensidade, da Lava Jato pressionarão o ambiente, excitando a mídia e inflamando os ânimos. A interação das redes sociais com o noticiário contribuirá para esse aquecimento.
Dois aperitivos da situação hiperinstitucional foram servidos no início do ano: a decisão monocrática que suspendeu a sanção do projeto de Lei das Telecomunicações e o pedido de abertura de investigações contra os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá, o ex-presidente José Sarney e o ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado, por suposta tentativa de criação de embaraços à Justiça a partir da cogitação de uma hipótese de se mudar uma lei que, potencialmente, poderia favorecê-los.
Será que estamos vivendo uma época em que cogitar é crime? Cogito ergo sum. Será que estamos chegando à época imaginada no filme Minority Report, em que os crimes são previstos com tanta antecedência que a punição chega antes de serem cometidos? Precogs vão prevendo o que vai acontecer.
Em tempos de midiatização excessiva da política e da Justiça, o risco é que as instituições abandonem a prudência em favor de um ativismo impreciso e militante. Até mesmo a depuração da política, mais do que necessária e bem-vinda, deve ser feita com racionalidade e respeito à institucionalidade. Não devemos cair na velha máxima de que os fins justificam os meios. Seria a negação dos avanços democráticos conquistados.
A Lava Jato, ao contrário da Campanha dos Dardanelos, não se pode transformar em fracasso por excesso. Tampouco por omissão. Caberá ao STF zelar por seu sucesso; ao Executivo, manter-se no curso de recuperação da economia para entregar ao povo um País melhor até 2018; e ao Legislativo, sustentar o ritmo de aprovação da agenda de reformas de que tanto necessitamos.
Cada um no seu quadrado e nos limites da institucionalidade. Tudo no melhor interesse do País. O comando dos três Poderes deve buscar um pacto republicano de respeito à institucionalidade e à independência dos Poderes para que o Brasil não caia da pinguela que neste momento atravessa para chegar a 2018. É hora de combater os excessos e a tendência, muitas vezes irresistível, ao hiperinstitucionalismo.