O Brasil surpreende estrangeiros há muito tempo. Estudiosos não compreendem os surtos de desenvolvimentos entrecortados por momentos de depressão. Mas essa é a síntese da história do país, que nos anos trinta do século passado era pouco mais que um pasto abandonado e improdutivo que ocupava largo território na América do Sul. A Argentina, ao contrário, era uma sociedade organizada, alfabetizada, industrializada, com agronegócio produtivo e o conjunto da economia entre os dez mais elevados do mundo.
Em pouco mais de cinco décadas tudo mudou. O Brasil se industrializou, a partir da criação da usina siderúrgica de Volta Redonda, no governo Vargas, e iniciou seu processo de urbanização apressada, desorganizada, porém efetiva. São Paulo, do início dos anos cinquenta, era uma cidade de residências baixas. Em pouco tempo, tornou-se um festival de prédios de altura impensável. O governo JK radicalizou o conceito de desenvolvimento, atraiu indústrias estrangeiras, capital internacional, transferiu a capital e abriu o centro-oeste para os investidores do agronegócio. O governo Jango jogou os índices para baixo. Depois, os militares retomaram o conceito de desenvolvimento até o paroxismo. A inflação elevada terminou por ajudar a derrubar o regime.
O governo Itamar domou a inflação. E a administração FHC garantiu um crescimento modesto, porém linear. Ao final de esforços maiores ou menores, o Brasil que foi entregue ao presidente Lula estava entre as seis maiores economias do mundo. É uma trajetória notável para um país desajustado, grande demais, desorganizado e governado por uma elite normalmente distante da realidade. O Brasil conseguiu ultrapassar suas enormes dificuldades, vencer preconceitos e começar a ser percebido no mundo. A política externa, independente, marcou o caminho do país no rumo da paz e da convivência com seus muitos vizinhos.
A presidente Dilma Rousseff herdou essa história. Mas a vida de guerrilheira tornou-se referência mais relevante que aquelas apontadas pela sucessão de fatos no crescimento e amadurecimento do país. O Brasil tem uma economia igual ou maior que a da Itália, da Inglaterra, do Canadá e do México. Não é pouco. Tem condições de se rivalizar com a França. E estaria em condições de frequentar as listas dos cinco ou seis melhores e maiores depois de Estados Unidos, China, Japão e Índia. Há muito que se feito, mas o horizonte aponta para essas apostas.
No entanto, a presidente preferiu repetir as fórmulas dos anos sessenta. O mundo mudou, mas ela não percebeu que a integração dos mercados é uma realidade. Uma palavra dita aqui repercute no pregão em Tóquio e vice-versa. O Brasil não é mais um país pequeno, capaz de ser administrado pelos caprichos do senhor no comando dos controles políticos. O país ficou maior que as abstrações de um presidente. Ampliou-se, portanto, o espaço entre realidade e percepção. Ela não gosta de política e não conversa com parlamentares. Eles não gostam dela, percebem a eleição se aproximar e temem o desastre. Resultado: impeachment.
A presidente Dilma Rousseff, e só ela, se colocou na difícil situação de ter sua administração avaliada pela Câmara dos Deputados. Os motivos são rigorosos e formais, como pretende o ministro José Eduardo Cardozo, mas as razões são escancaradas. Desemprego, inflação, queda brutal de renda, fuga de investidores, paralisia geral nos negócios e reclamações cada vez mais irritadas dos eleitores. A presidente que não tem gosto pela conversa chega a este final de semana, em estado de isolamento. Cercada por áulicos, comanda tropas que não mais existem. E as que existem não respondem a seu comando.
Como será o futuro do Brasil?
Falar aos brasileiros na televisão significa apenas chamar outro grande panelaço. A questão que intriga hoje é o futuro. Como será o dia seguinte? Especialistas traçaram três cenários distintos. O primeiro é que a presidente consiga se manter no cargo, ultrapasse os desafios do parlamento e seja confirmada na Presidência da República. Neste cenário, o governo deixará de ser de Dilma Rousseff passará a responder ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva que passou os últimos dias numa suíte do Royal Tulip, ao lado do Palácio da Alvorada, recebendo políticos e articulando as possibilidades. Ele será o novo homem forte. O governo Dilma, de qualquer forma, terminou. Mas, Lula, segundo seus correligionários, não foi bem sucedido na tarefa de modificar votos.
A segunda possibilidade é ascensão de Michel Temer. Ele fará uma transição rápida, tentará montar um ministério de notáveis, contará com forte apoio do capital internacional e terá condições de impressionar e constranger oposicionistas. Se a tática funcionar, o Brasil iniciará o segundo semestre com economia em alta e com possibilidade de recuperar, rapidamente, o tempo perdido pela administração Dilma. A terceira hipótese é que tudo isso resulte em impasse monumental, as duas forças se confrontem e o país mergulhe no abismo. Não há exemplo de algo semelhante na história do país. De certa forma, o futuro está em jogo neste final de semana.