Analisar a política brasileira está difícil até para quem é do ramo. O cenário é incerto, a crise, gravíssima, e tudo pode acontecer do dia para a noite ao sabor da Operação Lava-Jato, na avaliação de Murillo de Aragão, presidente da consultoria de análise e pesquisa política Arko Advice. Conhecido como um dos mais articulados e bem informados profissionais em consultoria política, Aragão entende como poucos as entranhas do poder e os bastidores de Brasília. E sabe que a crise atual é inédita, fomentada, segundo ele, “por total incompetência do próprio governo federal na coordenação da sua base de apoio no Congresso Nacional”. E vai além: a ida do ex-presidente Lula à Casa Civil, anunciada na semana passada, é um risco alto demais que o governo está bancando. Ele conversou com a IstoÉ DINHEIRO:
DINHEIRO – Do ponto de vista político, o que representa a posse do ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil?
MURILO ARAGÃO – Existem vários significados e repercussões desse ato. Não se trata de um evento trivial. De forma sintética, diria que foi um reforço político para o governo. O que eu não sei é se será suficiente, porque o estado que vivemos é bastante delicado. Há uma paralisia na economia, uma recessão, combinada com uma perda dramática de credibilidade. O que eu quero dizer é que a vinda do Lula talvez não seja o que se imaginava a princípio, algo capaz de reanimar o estado de coisas em que vivemos. Ele pode até livrar o governo do impeachment, mas não da crise que vivemos.
DINHEIRO – Por que acredita que não será suficiente?
ARAGÃO – Em primeiro lugar, é preciso compreender que o Lula tem uma articulação política muito superior à da presidente Dilma. Ele tem essa característica, ainda que esteja muito debilitado pelas acusações que lhe caem, pelo fracasso econômico do País. Mas é inegável que existe no ex-presidente uma reserva de capacidade que pode ser útil ao governo em um momento de desespero. Por outro lado, por mais paradoxal que pareça, se ele não aceitasse, seria um recado de que o governo acabou. É como se ele dissesse, nesse contexto, que “nem eu sou capaz de te ajudar, Dilma”.
DINHEIRO –Há quem diga que a ida do ex-presidente ao governo seria uma última cartada da presidente Dilma contra o impeachment. É correta essa análise?
ARAGÃO – Eu comparo a situação ao paciente que teve uma longa parada cardíaca e foi socorrido com um desfibrilador. Deram um choque, o coração voltou a bater. Resta saber se, quando o paciente acordar, não haverá sequelas dessa parada cardíaca. O que eu quero dizer é que não se sabe se o atual governo vai se recuperar após o debate do impeachment. A operação Lava Jato trouxe à tona episódios inacreditáveis na história da República. São duas vertentes importantes que precisam ser analisadas: a incompetência política do atual governo e os desdobramentos da Lava Jato. Quando esses pontos convergem está configurado o problema.
DINHEIRO – E quando a inabilidade política do governo se encontra com a Lava Jato?
ARAGÃO – No momento em que o senador Delcídio do Amaral faz uma oferta ao diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, quando era líder do governo no Senado. Naquele momento, o senador assume que foi escalado para “melar” a operação Lava Jato. Isto representa claramente obstrução de Justiça. E não vamos nos esquecer do episódio do ministro Aloísio Mercadante. Em outras palavras, o próprio arraial governista acaba alimentando fatos ainda mais graves.
DINHEIRO – Como o sr. avalia as declarações do senador Delcídio do Amaral, reveladas pela revista ISTOÉ, em sua delação premiada?
ARAGÃO – São evidentemente explosivas. Afinal, ele é um senador da República do PT e líder do governo. É muito difícil descredenciar as informações prestadas pelo senador, que são seríssimas.
DINHEIRO – As declarações do ministro Mercadante, sobre o grampo com o assessor do senador Delcídio, foram convincentes? Ele falava em nome da presidente Dilma ou não?
ARAGÃO – Isto faz me lembrar o episódio do Gregório Fortunato no governo Getúlio Vargas. É sabido que o presidente Vargas não ordenou o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, seu desafeto político. Mas o seu entorno, seus assessores, tomaram a decisão de se livrar de um estorvo. Muitas vezes não se pode responsabilizar a presidente Dilma pelas besteiras que o governo faz, mas não há dúvida que isto respinga na imagem dela. Ela pode até não ter tido qualquer intenção de obstruir a Justiça, mas isto não invalida a tese de que outras pessoas ligadas a ela tiveram, o que não pode deixar de ser considerado. Trata-se de um fato grave.
DINHEIRO – Como avalia o discurso feito pela presidente Dilma na posse dos novos ministros?
ARAGÃO – Revela uma presidente sobre imensa pressão. E com dificuldades de articular uma resistência diante do volume de problemas que a conjuntura política apresenta, principalmente em relação à sua base de apoio. Não há nenhuma garantia de que este novo ministério vai funcionar.
DINHEIRO – De que forma fica a base de apoio do governo?
ARAGÃO – O problema central é que o anúncio do Lula como ministro não impediu que o Partido Republicano Brasileiro (PRB) e a bancada ruralista abandonassem o governo. Quanto ao PMDB, há muita gente que ficou enfurecida com a indicação do deputado Mauro Lopes (PMDB-MG) como novo ministro da Aviação Civil. Sem contar que muitos outros aliados do governo estão desconfiados com toda essa situação. É muito desafio para um governo que tem sido muito incompetente na condução política.
DINHEIRO – Isto quer dizer que o PMDB deixará definitivamente o governo?
ARAGÃO – A primeira coisa que deve ocorrer é o partido expulsar o deputado Mauro Lopes, por ter aceitado o convite da presidente. Outro ponto relevante é que já existem convocações dos diretórios estaduais do PMDB para antecipar o anúncio do rompimento, o que pode acontecer nos próximos dias. É preciso lembrar que vivemos uma fase de transferência partidária, e isto leva muitos deputados insatisfeitos com as diretrizes do PMDB a saírem dele. O fato é que a Operação Lava Jato produz tantas informações que a conjuntura política muda diariamente, o que torna impossível prever os acontecimentos.
DINHEIRO – Onde o governo errou politicamente com a sua base?
ARAGÃO – Desde o começo, o grande déficit do governo Dilma é político. Nunca se conseguiu uma articulação adequada nessa área. Na minha visão, essa área foi rebaixada a um nível não estratégico no governo. E é por esta razão que , gradualmente, a base foi se erodindo. Perdeu-se o apoio da Força Sindical, do PSB, a clara divisão do PMDB, entre outros episódios. O que ocorre é um esgarçamento da base política do governo, que é nominalmente grande, mas operacionalmente muito instável. Tanto isto é verdade que na Câmara dos Deputados a presidente não teve 50% de apoio médio nas votações críticas no primeiro mandato.
DINHEIRO – Como advogado e cientista político, o sr. acha que o juiz Sérgio Moro agiu dentro da lei ao liberar publicamente as conversas telefônicas da presidente Dilma com Lula?
ARAGÃO – Não vejo de antemão como condenar o juiz Moro. Até o episódio do vazamento dos grampos, Lula estava sob investigação dele. Isto quer dizer que cabia a ele, Moro, decidir ou não pelo sigilo. A partir do momento que o Lula torna-se ministro, existe uma discussão se todo o processo sobe para o STF, que também não é algo pacífico. Mas não vamos nos esquecer que todos são iguais perante a lei.
DINHEIRO – E quais são os próximos capítulos para a economia diante do atual cenário político?
ARAGÃO – Vivemos a pior crise desde a década de 1930, um momento gravíssimo da história brasileira. A economia está em compasso de espera porque as pessoas não acreditam no governo, os empresários estão ressabiados. A espera é para que o governo se reinvente ou um novo governo se instale. Tudo isto mostra toda a fragilidade que vivemos.
DINHEIRO –Há quem aposte que o ex-presidente Lula tomará as rédeas da economia do País. Se isto ocorrer, o que se pode esperar?
ARAGÃO – Isto foi uma coisa que discutimos muito: se o Lula seria radical, moderado ou “paz e amor” na economia. O “paz amor” seria mais um estilo Palocci (ex-ministro Antonio Palocci), que o mercado gostou muito. Moderado seria um pouco mais ativo, mas não totalmente contra o mercado. Já o radical seria o ideário da turma dele, mais intervencionista, que quer queimar reserva para estimular a economia. Na minha avaliação, ele adotará um estilo moderado, até porque não há espaço para grandes manobras. E, em segundo lugar, não há dinheiro. Sem contar que a confiança do investidor está em xeque, não se pode fazer nenhum truque de mágica.
DINHEIRO –E a voz das ruas, as manifestações de domingo, 13 de março, e na véspera da posse do agora ministro Lula? Qual o peso político?
ARAGÃO – As últimas manifestações são muito importantes porque foram totalmente espontâneas, as maiores da história recente do País. E também dramáticas porque mostram claramente que não há apoio na sociedade ao governo. Vivemos um período de fragmentação social e de perplexidade por não sabermos o dia de amanhã, como sair dessa crise. E, ao contrário do que muitos dizem, as manifestações não são de uma elite, as pesquisas mostram que a insatisfação é generalizada, atinge todos os extratos da sociedade.
DINHEIRO –Quais são as possíveis saídas políticas, no atual cenário?
ARAGÃO – Há cinco saídas: a renúncia da presidente; o impeachment; o afastamento por algum motivo alegado, como saúde, por exemplo; a cassação da chapa Dilma-Temer; e a composição de uma nova base política até o final desse governo. São todas soluções para os próximos 90 dias, que vão flutuar de acordo com os novos acontecimentos. Mas se tratam, somente, de hipóteses.
DINHEIRO –Qual dessas hipóteses é a mais plausível?
ARAGÃO – Provavelmente, o debate mais visível é o do impeachment.
DINHEIRO –Quais são as chances de ocorrer o impeachment da presidente Dilma?
ARAGÃO – Eu diria que são de 60% com um viés de alta, isto é, pode aumentar. E cresce porque o governo está emparedado com várias batalhas inglórias pela frente, com a inflação, desemprego, perda aguda de popularidade, sem contar em uma base política absolutamente fragmentada.
DINHEIRO –O ex-presidente Lula ainda dispõe de cacife político?
ARAGÃO – Vamos ver se ele é o Romário de 93, que garantiu a classificação do Brasil para a Copa do Mundo, ou Zico de 86, que perdeu o pênalti contra a França e fomos eliminados.