Embora as receitas sejam as mesmas, cada dona de casa dá ao cozido um gosto especial que corresponde ao seu caráter. E nos passeios pelas casas que seu prestígio permitia entrar, pouco a pouco foi desejando e exigindo que lhe servissem seus pratos e o ensinassem seus temperos.
Com grande ingratidão as comidas começaram a sair para ele, em toda parte, melhor do que na casa de sua mãe. Agora que o real está fazendo as coisas retornarem ao mesmo lugar, de pouco adianta ter-se livrado por tanto tempo do sono da razão. E como perdeu o paladar e o senso do apetite, começou a defender temperos que eram o oposto do que era óbvio para todos.
A política é uma atividade basicamente aristocrática. Quem entra nela sente-se “por cima”. Os políticos tomam esse fato como norma visível para se afirmar. Sentem, pelo prestigio que possuem como fonte de boatos, que estão no topo da hierarquia natural dos seres vivos e aceitam tal distinção como um trampolim para passar a viver como se fossem beneficiários de uma distribuição desigual de poder e responsabilidade.
Mas essa desigualdade funcional atingiu o topo da carreira dos três Poderes e criou uma moral. Quem fez uso dela nos últimos anos é que está processando ou sendo processado. Um conflito mortal no seio da elite do Estado. Cada um, Ministro, Politico, Promotor ou Juiz aparece diante do outro como diante de um renegado e quer ocupar o seu lugar.
A confusão é de tal ordem que diligentes procuradores, sem conseguir abstrair suas preferências por uma perseguiçãozinha midiática, e no mais acabado conformismo, querem representar no plano jurídico-constitucional a excelência da prova ilícita. É desolador poder rir de tudo, mas é de chorar não escapar ninguém.
Para o mundo privado brasileiro o Estado não deixa que exista muita opção. Tolera somente dois canais. O dos que que se prostram diante dos interesses do governo; o dos entregues ao conflito de interesse do capital. Brasília rola por cima da economia como um Estado em guerra ocupa uma cidade e a destrói.
Por todos os motivos, as crises políticas brasileiras crescem quando um poder se exaspera com o outro e ocorre tensão na trilha da autogratificação dos altos funcionários. Mas como existe o livre arbítrio, a liberdade de escolha, existem exceções. Muitos recusaram esse talento natural para a distinção em todos os lugares onde atuam.
Foram esses, impulsionados por pessoas livres e pela evolução da inteligência dos humanos, que fizeram que o mundo natural da desigualdade política entrasse em conflito e se submetesse ao mundo artificial, construído pela sociedade democrática, da igualdade perante a lei.
Quanto mais avança o uso democrático da lei mais diminuiu a força das pessoas e grupos que conseguem combinar, ou um brilhante entendimento sobre o que o Brasil de fato precisa segundo seus interesses pessoais, ou o mais acabado culto à personalidade de algum líder político.
A crise atual começou como uma crise de representação, essencial para aumentar a força do Executivo. Suspender o tempo do Congresso e desabar sobre ele foi uma operação calculada para acabar com a ética da discussão. A ordem foi cumprida à risca pelos quatro governos do período: ninguém representa o outro.
Representa a si mesmo ou, a maioria deslumbrada, se apresenta. São sempre excêntricos gigolôs de minorias, castas, guetos. São eles que propagam que as injustiças não devem mais ser tratadas como anomalias judiciais, mas como contrapartida, ou simples questão de força e discurso histérico.
Os mais votados, da direita e da esquerda, passaram a ser os mais boçais, operadores do instinto baixo da massa desprotegida. O discurso secreto, que considera a tara pessoal do político um problema de interesse geral, ganhou corpo com a fragmentação partidária imposta. Zero de imaginação moral, mil de ideologia do tédio.
No caso de Luiz, o Verde, o discurso econômico irreal, às vezes surreal, e o hábito sindical de tomar decisões isoladas, fez sofrer as pessoas na sociedade e aparentemente poupar a elite do Estado. Todas as pessoas que não eram chegadas a exagero foram afastadas.
E tudo aquilo que, mesmo o contradizendo, funcionava a seu favor, parou de acontecer. Não havia mais êxito em nada. E foi essa sua falta de costume para ouvir ao outro e entender suas razões que o tirou do sério. E o país, aguentando o tranco, continua na expectativa de vê-lo reconhecer que não houve uma alta autoridade, conjunta e partilhada, para as suas decisões.
Só havia a total rendição de todos ao conformismo do líder diante de sua popularidade fácil. Bem, da ala dos perdedores ele ouviu um dia que governante bom deve preferir a absoluta falta de demagogia no exercício do poder. Manu militari, perdeu o humor com o inconfidente.
A questão emocional que cerca seu comportamento diante das ações da justiça pode ser explicada pela imaturidade política que atinge líderes excepcionalmente inclinados a valorizar nos outros a obediência e o conformismo.
Com isso, às suas decisões de governar fora da realidade material e orçamentária agora se junta o comportamento de considerar abuso de autoridade um juiz atento estranhar que alguém possa ser nomeado ministro para fugir da justiça e ter a ousadia de perguntar porque não é dele o que ele usa.
Parecendo deslocado, sem querer voltar a considerar, como pensava no início da sua vida pública, a moleza que é para o poderoso cometer erro no Brasil, ele quer botar para quebrar, assim como governou. Acusa o Juiz de ser o transgressor. Ora, qual a grande novidade do Brasil atual? Um juiz que pergunta ou o que se cala? A autoridade que esclarece ou a que dissimula?
O talento de Luiz, o Verde para a liderança política, um dom natural, inato, mas fortemente alimentado pelas dúvidas que sempre espalha sobre a lealdade dos outros aos seus objetivos, entrou em conflito com o talento do jovem administrador da justiça. Porque ser Juiz, ao contrário, deve sempre ter origem em um dom artificial, adquirido e alimentado pela segurança em que baseia a concepção plausível e compreensível da aplicação da lei.
O fundamento da moral nas democracias não é o dom natural de ninguém. É o direito à lei e a liberdade para todos, independentemente de aceitá-la, ou não. A ideia da igualdade não é muito evidente para muitos líderes políticos fortes que sempre ficam mais irritados e preocupados com seus críticos do que com os princípios que dizem seguir.
Suas ideias são idílios que oferece aos seus seguidores. Quem tiver outra opinião, que saia de perto. Por isso ele segue, assim, fazendo tudo errado. Nossa ideologia defende operações ofensivas, o desespero social age a nosso favor, parece dizer a quem tenta construir sua defesa. Como é difícil construir uma boa defesa para uma causa ruim, vamos então em frente, em direção ao hotel abismo!
Se o país não acabar com esse imenso complexo de superioridade e alienação de sua elite estatal, com seu narcisismo de anedota totalmente sem sentido, a revitalização da sociedade se tornará impossível. Poupar os líderes e não deter sua enfiada de mentiras vai fazer tudo ficar aquém das tarefas de reconstrução. Todas as autoridades, dos Três Poderes, deveriam saber que talento e dom não servem nada moralmente se não houver respeito às leis democraticamente criadas. O que mata o Brasil é a lassidão.