Limite


A banalização dos desvios financeiros em níveis absurdamente elevados anestesiaram os brasileiros. Mas, depois de boa temporada na cadeia, a maioria dos acusados abre a boca para denunciar a extensão e a profundidade da corrupção organizada e sistêmica que funcionou no Brasil nos últimos anos. Os ladrões devolvem recursos na ordem de milhões de dólares com a maior naturalidade. Caixa dois é atividade comum e usual na matemática eleitoral brasileira.

A partir do caixa dois os políticos evoluíram para coletar percentagens de grandes obras e tratar do enriquecimento próprio. Aí surge a estranha figura do operador, que nada mais é que um intermediário. Cada um trabalha com o de sua total confiança. Apesar da segurança das operações, com os departamentos de propina devidamente estruturados, houve corrupção na corrupção. Como o dinheiro não é contabilizado, nem fiscalizado, é só meter a mão na mala e tirar algum. Ou prometer dez e entregar cinco. Ninguém pode reclamar.

Lula x Moro

O depoimento do presidente Lula perante do juiz Sérgio Moro foi, antes de tudo, um encontro emblemático. Décadas atrás, o ex-presidente Juscelino Kubitschek foi levado à presença de investigadores militares dispostos a encontrar algum tipo de desvio financeiro na conduta dele. Não descobriram nada. JK foi para o exílio e depois retornou ao Brasil para visitar o sítio que mantinha nas vizinhanças de Brasília. Lula, ao contrário, foi citado publicamente para responder inquérito sobre a possível ocultação de patrimônio no episódio do imóvel, o chamado tríplex, numa praia paulista. O ex-presidente foi tratado de maneira correta pelo juiz Sérgio Moro. A política naquele momento descobriu um limite.

A fotografia do encontro vai abalar os fundamentos do Congresso Nacional e as práticas da política em todo território nacional. Roubar passou a ser atividade de altíssimo risco. Veja-se as pesadas sentenças de reclusão de poderosos diretores da Petrobras. Nenhum deles ficará menos de dez anos atrás das grades. A única possibilidade de passar menos tempo vendo o sol nascer quadrado é a delação. Por um ou outro caminho, a vida profissional acaba. E não raro a vida familiar desmorona. Os riscos são imensos. Fazer política aqui passou a ser atividade de alta periculosidade. Os limites estão dados.

O Brasil passa por um momento semelhante ao que experimentaram as principais cidades norte-americanas na época da lei seca. Quem tinha dinheiro, na época, conseguia bebida de boa procedência. Quem não tinha produzia a sua própria cachaça e a vendia nos botequins, chamados de speakeasy. A criminalidade explodiu nas grandes cidades porque a corrupção ceifou verbas que deveriam ser destinadas à segurança. É o que ocorreu em Manaus, em Natal, em Vitória e no Rio de Janeiro. Tudo o que o governo federal conseguiu foi enviar 300 soldados para auxiliar na segurança dos cariocas. Este é o número empregado no estádio do Maracanã em dias de grandes jogos. Não é nada na defesa da cidade.

Crise generalizada ofusca governo Temer

A retórica forte, baseada em certezas ideológicas, teve seu tempo. Fracassou completamente. Desindustrializou, provocou violenta, severa e grave onda de desemprego, desconectou o país dos principais centros de crescimento econômico, que saiu dos grandes mercados e afastou-se deliberadamente dos principais palcos da política internacional. Os fundos de pensão foram assaltados de maneira sistemática. Nenhum deles está em posição segura. Todos foram violentamente abalados. E, recentemente, a Caixa Econômica Federal foi obrigada a reduzir financiamentos imobiliários porque os recursos do FGTS não mais são suficientes.

A presença de Lula na frente do juiz Sergio Moro revela tudo isso. É a grande tragédia brasileira. O desastre de proporções abissais. Depois da Copa do Mundo e das Olimpíadas, apareceu a verdade. Recessão, desemprego e rombos monumentais. Nada disso teria ocorrido se os principais protagonistas não tivessem, depois de hesitações, contado a história toda, ou quase toda. Negar ou pendurar a eventual responsabilidade em D. Mariza Letícia é ato covarde.

O governo Temer fica meio eclipsado pela poderosa torrente de notícias da lava jato. As reformas caminham e o presidente precisa fazer concessões, distribuir ministérios para aprovar o que pretende. Temer quer terminar quase tudo antes do recesso de meio de ano do Congresso. E o ano de 2018 será curtíssimo. Cada um com seus problemas. O de Temer é correr com as reformas e protelar a decisão do TSE. O de Lula, retardar ao máximo a sentença de Moro que pode impedir sua candidatura à presidência. Difícil prever o que será do Brasil a partir de 2019.

Publicado no Correio Brasiliense em 13/05/2017

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