Governabilidade do próximo presidente: condições e pressupostos


A palavra governabilidade refere-se às próprias condições substantivas ou materiais de exercício do poder e de legitimidade do Estado e do seu governo, ambas derivadas da postura governamental diante da sociedade civil e do mercado.

Nessa perspectiva, a governabilidade diz respeito à autoridade política do Estado em si, entendida como a capacidade que este tem para agregar os múltiplos interesses dispersos pela sociedade e apresentar-lhes um objetivo comum para os curto, médio e longo prazos, e depende da relação entre a autoridade e as instituições de governo, bem como do poder das instituições que a ele se opõem.

Assim, a governabilidade estará ou não presente na medida em que haja apoio às políticas do governante e à sua capacidade de articular alianças e coalizões/pactos entre os diferentes grupos sócio-políticos para viabilizar o seu projeto de Estado e sociedade, conferindo-lhe legitimidade para implementar políticas.

Para garantir a governabilidade, e evitar a paralisia ou o colapso das instituições e dos serviços públicos, é indispensável quatro tipos de estabilidade:  política, social, financeira e de gestão.

A primeira estabilidade – a política – é crucial, pois tem relação direta com a legitimidade do governo. Ela depende, além da aceitação do resultado eleitoral, de apoio no Poder Legislativo, o lócus onde se forma a vontade normativa do Estado e o foro legítimo e apropriado para a solução das demandas da sociedade a serem traduzidas na forma de lei e de políticas públicas.

Uma boa relação com o Poder Legislativo é fundamental porque quando o Congresso dispõe de agenda própria e diverge majoritariamente do programa do presidente eleito, e, no sistema político brasileiro, o Chefe do Poder Executivo só tem três alternativas:

  1. a) concordar com as propostas do Congresso, fazendo-as suas;
  2. b) obedecer, ou seja, aceitar a contragosto o que for aprovado, até porque o Congresso dá a palavra final em decretos legislativos e Emendas à Constituição e pode derrubar eventual veto às leis complementares e ordinárias, inclusive a resultantes de medida provisória; e
  3. c) ser derrotado e destituído, como aconteceu no Brasil pelo menos duas vezes nos últimos 30 anos.

A segunda estabilidade – a social – está relacionada à satisfação popular ou à ausência de protestos violentos, desordem, saques, tumultos, levantes, motins e outras formas de contestação ao governante. Nenhum governo, sem apelar para a violência, consegue enfrentar protestos longos e, salvo se migrar para uma ditadura, se sustenta contra o povo.

A terceira estabilidade – a financeira – tem a ver com a capacidade do governante em manter as obrigações do Estado em dia, tarefa que será enormemente dificultada com o orçamento congelado, como atualmente. A crise fiscal do Estado, sua incapacidade de atender às demandas da sociedade e a profundidade das medidas de ajuste fiscal adotadas, frequentemente conduzem a crises de governabilidade.

A quarta estabilidade – a de gestão – requer a criação e manutenção de instituições administrativas adequadas, a realização de concurso para contratar ou repor pessoal, e, principalmente,  grande capacidade de coordenação e de montagem de equipe qualificadas para dar efetividade as quatro macrofunções do Estado: l) funções políticas, que consistem na definição de direitos e deveres, 2) funções executivas, voltadas para a implementação de políticas, 3) funções jurisdicionais, direcionadas à solução de litígios, e 4) funções fiscalizadoras, voltadas ao controle da ação estatal.

Os desafios de articulação e de capacidade de liderança do próximo presidente serão enormes, de um lado por força da provável pulverização partidária do Congresso, e, de outro, pela crise fiscal, que forçará o governo a ajustes fortes.

No caso do Congresso, a tarefa não será fácil, pelo perfil fisiológico da maioria dos partidos e parlamentares. E com o agravante de que nenhum dos candidatos elegerá maioria em sua coligação e também terá que montar uma coalizão de apoio, tendo que negociar com partidos e parlamentares viciados em trocar votos por apoio ao Governo, dadas as generosas concessões feitas durante o Governo Temer.

No quesito fiscal, a situação é igualmente dramática. O ajuste terá que atacar tanto os aspectos da despesa pública, com corte de gasto e flexibilização da Emenda Constitucional nº 95, quanto da receita, com a criação ou majoração de tributos. E ambos os casos, a calibragem e o equilíbrio são fundamentais, inclusive para distribuir de forma justa e equitativa os sacrifícios, que devem ser proporcionais à capacidade econômica e condição social dos contribuintes e usuários ou beneficiários de serviços públicos.

Governar o Brasil, neste cenário, portanto, não será uma tarefa para amador ou principiante. Vai exigir equilíbrio emocional, experiência, capacidade de liderança e também coragem para tomar decisões difíceis e, eventualmente, impopulares. As resistências virão de todas as partes, se não houver uma comunicação honesta e eficiente. Reformas serão necessárias – a começar pela tributária – para destravar a economia, gerar empregos e melhorar a renda, sob pena de um colapso com graves consequências sociais, econômicas e políticas.

Nesse contexto, a reponsabilidade do eleitor será ainda maior. É preciso escolher bem, sufragando nomes – tanto no Congresso Nacional quando no Poder Executivo – que tenham coragem de tomar decisões e sejam justos na distribuição dos sacrifícios, especialmente nessa fase de transição para a organização das contas públicas.

Postagens relacionadas

Institutos de pesquisa confrontam os likes do Twitter de Bolsonaro

Institutos de pesquisa confrontam os likes do Twitter de Bolsonaro

Possível liberação do aborto de fetos com microcefalia pelo STF é criticada na CAS

Usamos cookies para aprimorar sua experiência de navegação. Ao clicar em "Aceitar", você concorda com o uso de cookies. Saiba mais