Faltou combinar com os russos


Não é difícil imaginar os motivos de tanta irritação com a decisão do Banco Central de mudar radicalmente sua comunicação com o mercado, quando, esta semana, revelou, às vésperas da reunião do Copom, que poderia não subir os juros, ignorando que a aposta dominante entre banqueiros e demais empresários era que viria mais uma elevação da Selic em 0,5 ponto percentual.

Para quem não acompanha o dia a dia das decisões de política monetária, pode não parecer problema o Banco Central alterar o curso de sua política e comunicação quando assim entender que é adequado, independentemente do que pensa o mercado, o empresariado, esse ou aquele político – seja de oposição ou da base aliada do governo.

Essa, no entanto, é apenas uma meia verdade.

Ainda que tenha autonomia operacional para decidir como bem entender os rumos da taxa de juros básica, da inflação e da trajetória do câmbio no país, e com isso assegurar o poder de compra da moeda brasileira, o Banco Central precisa, antes de mais nada, coordenar expectativas, fazendo com que empresários, consumidores e até governos dancem conforme a música que é executada pela política monetária. Se o BC desafinar, a turma erra o passo e a festa acaba. Aí é cada um por si. O poder de compra deixa de ser referência e, da noite para o dia, o dinheiro que você tem no bolso passa a ser um amontoado de papel sem valor efetivo.

Funciona assim: até criarem o papel moeda como conhecemos hoje, o dinheiro usado em qualquer transação tinha de ter, inevitavelmente, lastro com algo de valor real e aceitado por todos, como o ouro, por exemplo. Hoje não mais. É tudo questão de fé, de confiança em algo que não se pode ver. É aí que entra o papel de um banco central. Ele tem que garantir que o dinheiro que você tem em mãos tem valor efetivo. Para isso, recorre a instrumentos financeiros complicados, como a taxa de juros, que funciona como uma referência para o custo de empréstimos bancários, além de operações para retirar dinheiro de circulação na economia, por meio das chamadas operações compromissadas, até leilões de dólares em mercados futuros, de modo a garantir que o real tenha um valor estável perante o dólar.

Como se vê, para que seus R$ 100 no bolso valham o equivalente a cinco cortes de cabelo de R$ 20, é preciso que o Banco Central consiga convencer você, o barbeiro e o banqueiro que lhe emprestou dinheiro que esses R$ 100 valem exatamente quanto você acha que vale. Ou seja: um trabalho de convencimento, de coordenação de expectativas, de credibilidade.

Voltamos, portanto, ao parágrafo inicial, quando mencionei que o Banco Central surpreendeu a todos a mudar o curso de sua política monetária, fazendo o contrário do que a maioria absoluta dos agentes econômicos esperava. Não por acaso, as reações à decisão do BC foram maciçamente todas negativas, mesmo daqueles que defenderam a decisão de não subir juros com o país encaminhando-se para a maior recessão em 30 anos.

Costuma-se dizer que dinheiro não leva desaforo para casa. Por isso a forte alta do dólar no dia seguinte à reunião do Copom. Na prática, a bronca não foi com a manutenção dos juros, ainda que a inflação nacional esteja desconfortavelmente acima de 10% ao ano, quando a meta era que ficasse, em média, em 4,5% — patamar que não é alcançado desde 2009, diga-se.

Ninguém gosta de ser enganado. Muito menos por quem deveria ditar as regras do jogo.

Postagens relacionadas

Institutos de pesquisa confrontam os likes do Twitter de Bolsonaro

Institutos de pesquisa confrontam os likes do Twitter de Bolsonaro

Possível liberação do aborto de fetos com microcefalia pelo STF é criticada na CAS

Usamos cookies para aprimorar sua experiência de navegação. Ao clicar em "Aceitar", você concorda com o uso de cookies. Saiba mais