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Desaprender o mal

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O ciclo de escândalos vindos à tona a partir do mensalão destruiu a legitimidade do mundo político. Uma frase nas Fábulas de La Fontaine, citada pelo economista francês Bernard Gazier em seu livro sobre a crise econômica de 1929, explica bem o que está acontecendo na política brasileira: “Nem todos morriam, mas todos estavam contaminados.”

O que essa declaração significa? Basicamente, que parte expressiva de nossas lideranças políticas não é reconhecida como legítima para cuidar dos negócios públicos. Tal processo tem sido universal. Em quase todos os países se reconhece hoje a perda de legitimidade da política e dos políticos. Mas no Brasil a questão é mais grave, como veremos.

Por quê? Porque, por causa dos defeitos do nosso sistema eleitoral, do abuso do poder econômico e sindical, do abuso da máquina estatal e da doentia fragmentação partidária, a própria representatividade está comprometida. A cidadania não se sente representada pelos políticos nem o Congresso é uma fiel representação de nossa sociedade.

Nosso sistema eleitoral é injusto e opaco, não expressa a vontade do eleitor e, além de tudo, é desequilibrado em termos de representação da população. Alguns Estados, por distorções criadas no regime militar, são super-representados, enquanto outros são sub-representados. Temos, simultaneamente, problemas de representação e de representatividade.

Para agravar, os escândalos envolvendo o mensalão e a Operação Lava-Jato, entre outros, desnudaram amplos esquemas de corrupção que não só espalhavam dinheiro para benesses pessoais, como deturpavam as corridas eleitorais, financiando aparelhos de poder que submetem a população a uma farsa democrática. O Brasil ainda é uma alegoria como democracia.

Em suma, o sistema político brasileiro vive uma perigosa conjunção de vetores negativos, com as crises de representatividade, de representação e de legitimidade e, acima de tudo, com as consequências de anos de corrupção e “doping” eleitoral. Isso posto, há muito que o sistema deveria ser revisto, o que não é novidade.

No entanto, falta vontade para mudar, já que o sistema político não quer regras que criem imprevisibilidade e reduzam sua mobilidade e sua autonomia ante a sociedade. Como disse Antístenes, filósofo da Grécia Antiga, “a ciência mais difícil é desaprender o mal”. A política brasileira encontra muita dificuldade para desaprender o mal.

Para piorar, a sociedade é subalterna ao Estado, que é autoritário, opaco, burocrático e corporativista. E nossas elites são pouco interessadas em participar da renovação, não se mobilizam contra tal situação. Parte por omissão, parte por cooptação.

À nossa frente está o imenso desafio de renovar a política nacional. Mas como fazê-lo, se parcela expressiva de suas lideranças está contaminada por condutas indevidas, imorais, ilícitas e inadequadas, e todo o mundo político é afetado por tais condutas?

O caminho político está obstruído. Tanto pelas investigações da Lava-Jato e por suas consequências quanto pela excessiva fragmentação partidária, que impede a formação de consensos sobre questões críticas. A política, ainda que de forma mambembe e desarticulada, tenta ensaiar uma reação aos fatos. Mas nada produz e nada propõe de fundamental para sua renovação.

Sem o caminho político e com uma sociedade desmobilizada, resta a via judicial para a ocorrência de alguma melhora no sistema político nacional. Apelar para a judicialização da política e esperar bons resultados do ativismo judicial está longe de ser o ideal, já que isso significa desequilíbrio nas relações entre os Poderes.

Dois outros aspectos reforçam os cuidados que devemos ter com a judicialização como solução. O primeiro é a possível contaminação do escândalo político no Judiciário, possibilidade que tangencia as investigações. O segundo é o fato inequívoco de que o alvo preferencial tem sido o mundo político. Também parece existir no Judiciário certo desinteresse em desaprender os próprios males.

Assim, o pior dos mundos é que o avanço das investigações apenas alcance o mundo político, sem que as indevidas práticas no Judiciário sejam investigadas. Contudo a renovação também deve passar pelo Judiciário. E como em política não existe espaço vazio, o vazio do poder está sendo ocupado, de forma tumultuada, pelo Judiciário. Que, lamentavelmente, se curva à midiatização do processo e privilegia o ativismo individual à institucionalidade necessária. É a nossa realidade.

E o que o Judiciário pode fazer para tratar de nossas crises de representação, de representatividade e de legitimidade? Pode fazer muito. Principalmente ajudar a política a desaprender o mal. Para tal deve tornar a representação menos desequilibrada.

Esse debate pode ser feito no Tribunal Superior Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal, com o redesenho da distribuição de cadeiras com base na população. As coligações em eleições legislativas são inconstitucionais por claramente afrontarem o caráter nacional dos partidos. A decisão de proibir a “verticalização” compulsória das coligações pode ser revista. Seria um grande serviço do Supremo à Nação.

Um eventual aumento abusivo do Fundo Partidário para financiar as eleições também deve ser barrado, pela imposição de um limite rígido de gastos por tipo de candidatura. Outra medida saneadora seria a investigação ampla e profunda do uso de recursos do fundo, bem como a proibição expressa da prática de nepotismo nas estruturas partidárias.

Por fim, deveria haver maior celeridade nos julgamentos dos políticos investigados. É absolutamente injustificado que se demore anos para julgar casos de políticos na Suprema Corte e fiquemos com zumbis no comando da política nacional. Quem for culpado que seja condenado e quem for inocente, liberado para seguir adiante.

Publicado no Estadão em 14/10/2017

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