Ciência ladeira abaixo


Em evento recente, celebrando a Semana Mundial do Meio Ambiente, foi promovido pelo Painel Brasileiro de Mudanças climáticas (PPMC), realizado no Museu do Amanhã no Rio de Janeiro, o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich fez um apelo: “S.O.S. Ciência”.

A expressão “mayday”, que vem do francês “venez m’aider” e quer dizer “venha me ajudar”, utilizada em emergências aéreas, seria também legítima, diante da séria crise que presenciamos no desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro.

A estruturação do Sistema de Ciência e Tecnologia no Brasil foi iniciada na década de 50 do século passado com a visão do Almirante Álvaro Alberto, quando da criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A criação da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (Capes), em 1951, com a atuação destacada de Anísio Teixeira, foi de fundamental importância, principalmente na formação de recursos humanos, pela implantação na década de 1960 do Sistema de Pós-Graduação brasileiro, responsável pela formação de mestres e doutores.

Segundo estudos conduzidos pelo Centro de Estudos Estratégicos (CGEE), em 2014, 50.206 mestres e 16.729 doutores foram formados no Brasil. Se por um lado estamos formando cada vez mais doutores – um passo importante para a consolidação e desenvolvimento científico e tecnológico – por outro, devido à falta de planejamento e ao descaso governamental, os setores público e privado não estão absorvendo esses doutores. Preocupante, pois estamos formando um exército de doutores para ficarem desempregados. Todos os investimentos na formação desses recursos humanos, e que não foram poucos, vão para o ralo.

Atualmente, testemunhamos um retrocesso no desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro. Recentemente, o ministério dedicado à ciência, Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTI), foi unido ao setor de comunicação, acrescentado um “C” em sua sigla: MCTIC.

Ao contrário do esperado, o orçamento do ministério não aumentou. Agravando a situação em março de 2017, foi anunciado o corte de 44% na pasta. A redução de investimentos alcançou também as fundações estaduais de fomento à pesquisa. A

A Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) apresenta um calote de R$470 milhões – financiamento de projetos e bolsas de estudos -, que está interrompendo as atividades de pesquisas, principalmente nas universidades estaduais: Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e Universidade Estadual da Zona Oeste (UEZO). A tendência é que a crise do Rio de Janeiro se espalhe pelo Brasil.

Poderíamos pensar que a presente situação é excepcional e passageira. Parece não ser o caso. O que nos espera, com decisões equivocadas do Executivo e do Legislativo, é um forte recuo no aporte de verbas federais e, provavelmente, estaduais, para os próximos 20 anos.

O retrocesso então ganhará mais velocidade. Todo o esforço de formação de recursos humanos irá por água abaixo e nossos melhores cérebros deixarão o país. A verdade é que esta estratégia de fragilização do nosso sistema nacional de ciência e tecnologia terá implicações graves para o desenvolvimento econômico brasileiro. O ideário de que o investimento em ciência e tecnologia tem um valor estratégico para o Brasil será enfraquecido.

Esse desmonte do aparato estatal de fomento científico deve ser interrompido e revertido. Os investimentos para o desenvolvimento científico e tecnológico devem ser incrementados. A burocracia para a aquisição de insumos e equipamentos deve ser simplificada em favor da agilidade.

Projetos de parceria com o setor privado devem ser estimulados para obtenção de novas patentes e produtos. As pesquisas que visam a solução de problemas demandados pela sociedade devem ser valorizadas.

O Brasil precisa, urgentemente, tratar a educação, ciência e tecnologia com seriedade, pois são pilares fundamentais para nosso desenvolvimento como nação. Caso contrário, continuaremos à mercê de tecnologia externa, comprometendo a nossa soberania e o fracasso da nossa missão de legarmos para as próximas gerações um país sem injustiças sociais e feliz.

Correio Braziliense – 23/06/2017

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