Na década de 1970, quando mais repressiva foi ditadura, uma prática muito comum era falar mal do Brasil. Uma maneira de começar era dizer que o país não progredia porque praticávamos uma forma tosca de capitalismo. Havia superinflação, economia fechada, desrespeito aos direitos trabalhistas, sistema financeiro inexpressivo e regras medievais de incentivo e proteção à indústria.
Quarenta anos depois, um bem-sucedido ciclo de reformas transformou o Brasil num lugar atraente para investir. A inflação foi eliminada, a economia se abriu, houve avanços sociais significativos e o sistema financeiro é um dos mais seguros e modernos do mundo.
Mas o capitalismo continua atrasado. E o principal responsável por isso hoje é a corrupção. O Brasil ocupa um lugar destacado no ranking dos países mais corruptos do mundo, os investidores assustam-se com as taxas de 30% de pagamentos por fora, as más práticas contaminam os negócios.
O choque com a revelação do esquema de corrupção na Petrobras desmoralizou um projeto de país que lutava para cumprir a última etapa de seu processo de superação do atraso – melhorar a educação, reconstruir a infraestrutura e reduzir a carga tributária.
A Operação Lava-Jato demonstrou, no entanto, que uma radical mudança cultural se impõe: primeiro, sanear o modelo de comprar e vender das empresas estatais, com a punição de agentes públicos corruptos e resgate de recursos desviados; depois, desmontar a relação promiscua entre a estrutura das estatais e os políticos e seus partidos, máquinas de sugar dinheiro público; em seguida, adotar mecanismos de regulação capazes de inaugurar um novo mundo de boas práticas financeiras e econômicas.
Nesse mundo, não será possível aceitar fatos como o descrito em reportagem recente do jornal O Estado de S. Paulo. Uma empresa inovadora e detentora de tecnologia única, Aceco TI, fundada por uma família brasileira, do empresário Jorge Nitzan, tinha um enorme mercado potencial. Mas segundo a reportagem, a empresa usou de práticas escusas para manter seus negócios. Uma delas envolveu a construção de uma sala-cofre no centro de processamento de dados da Dataprev. Uma empresa foi constituída de uma hora para outra apenas para gerar notas fiscais de centenas de milhares de reais e lavar dinheiro da corrupção.
O que não pode mais ocorrer é que as empresas privadas e seus executivos fechem os olhos para isso. Depois que Nitzan vendeu a Aceco para o fundo americano KKR, o emaranhado de corrupção foi descoberto. Os americanos poderiam ter vendido a empresa e partido do país, mas boptaram por denunciar os antigos proprietários, tentar sanear o sistema de negócios e recuperar a empresa. O processo agora tramita lentamente pelos canais legai
No novo mundo a ser inaugurado no Brasil, as empresas privadas e estatais terão como rotina o respeito às regras em conformidade com a lei – compliance –, tal como se tornou rotina no mundo desenvolvido. Hoje os escritórios de advocacia são chamados às pressas e se transformaram em verdadeiras UTIS jurídicas de empresas que acabam de descobrir o capitalismo que se pauta essas novas condutas.
Quando aquele tempo chegar – e não pode demorar muito –, as obras públicas deixarão de ser territórios de disputa entre o Ministério Público, o TCU e construtoras, cada um com uma tabela de preços para construir um viaduto, uma pista ou um edifício. Num país onde se espera vislumbrar um imenso canteiro de investimentos em infraestrutura, é necessário implantar o capitalismo pós-propina, pós-superfaturamento, pós-30%.