A primeira viagem ao exterior do ministro de Relações Exteriores, José Serra, à Argentina, confirma o propósito do novo governo em construir protagonismo com o país vizinho para liderar a região nas transformações que ambos consideram fundamentais, como a desideologização de seus mecanismos de concertação política e o fortalecimento do MERCOSUL como arranjo comercial e econômico, não mais como plataforma política.
A criação do Mecanismo de Consultas Políticas e a reativação de mais de dez outros instrumentos bilaterais de diálogo, confirmam essa tendência.
Emblemática também a primeira mudança diplomática externa como a designação do atual Secretário-Geral, Embaixador Sérgio Danese, como futuro embaixador em Buenos Aires. Danese era homem de confiança do ex-ministro Mauro Vieira, mas os longos anos como chefe da Assessoria de Assuntos Federativos do Itamaraty (assessoria legislativa) e a proximidade com o meio político, pesaram na sua ascensão.
A Argentina será o sócio estratégico mais próximo e Serra quer na embaixada alguém com quem mantém um canal direto de diálogo, capaz de adequar-se à nova postura da Chancelaria brasileira. Danese já deu mostras de que está disposto a seguir firme e forte quando convocou há cerca de dez dias, a embaixadora de Cuba no Brasil, Marielena Ruiz Capote, para informar sobre as novas diretrizes da política externa brasileira. O recado foi curto e grosso: as relações com Cuba serão institucionais e dependem basicamente da postura de Havana com o novo governo.
Outras mudanças virão, tanto na estrutura do Itamaraty como nos postos no exterior. No entanto, a principal e mais perceptível diz respeito ao tom adotado e às instruções para que a diplomacia fortaleça a contraofensiva à propaganda do golpe vendida por Dilma Rousseff.
Do ponto de vista político, o alinhamento entre Brasília e Buenos Aires impactará não apenas nas questões ligadas ao comércio e à economia regionais, mas também às questões políticas que nos últimos anos contaminou o processo de integração. Insisto em que a América Latina trabalhou exaustivamente por este processo, mas pecou exageradamente na negligência à unidade. Se estamos minimamente integrados, também estamos altamente desunidos.
Brasil e Argentina são inegavelmente os motores da América do Sul e parecem dispostos a assumir esse protagonismo provocando mudanças significativas nos rumos dos processos em curso, incluindo a condescendência com que a região sempre tratou as violações aos direitos fundamentais na Venezuela, fazendo vistas grossas às grosserias de Nicolás Maduro.
Os dois países que deram início ao processo de integração ainda nos anos 80, pondo fim às desconfianças mútuas, dão sinais de que entendem o papel que precisam jogar no momento em que transformações relevantes são implementadas desde as eleições na própria Argentina, as legislativas na Venezuela, o referendo constitucional na Bolívia e o processo de impeachment no Brasil.