Na semana passada, Brasil e Estados Unidos assinaram um memorando de entendimento para iniciar negociações de acordos na área de Defesa especialmente voltados à questões tecnológicas.
O Convênio para Intercâmbio de Informações em Pesquisa e Desenvolvimento (MIEA – Master Information Exchange Agreement) funcionará como instrumento balizador dos acordos que ainda serão negociados e que digam respeito ao desenvolvimento tecnológico altamente sensível.
Os Estados Unidos não querem brechas que permitam ao Brasil, transferir tecnologia de algo que eles desenvolveram. Em outras palavras, os dois países assinaram um contrato estabelecendo como as coisas vão funcionar para que haja cooperação.
Na quinta-feira, 23, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), apresentou e aprovou na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, do Senado, requerimento para que sejam convocados representantes dos ministérios da Defesa, da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, das três Forças Armadas, e da indústria aeroespacial.
Ex-ministra da Casa Civil, a senadora nunca se preocupou com estes temas e ignorou apelo feito pelo próprio partido para que o Acordo Espacial Brasil – Ucrânia fosse salvo. No governo passado, o acordo foi cancelado por falta de recursos e interesse estratégico do país.
Acordo de Alcântara
Agora, a senadora quer saber detalhes acerca da renegociação do Acordo de Alcântara com os Estados Unidos, “sob o prisma da Defesa Nacional e do desenvolvimento tecnológico brasileiro”. Ocorre que o documento firmado entre o ministério da Defesa e o Departamento de Defesa norte-americano não trata deste acordo.
O acordo Brasil – EUA sobre “Salvaguardas Tecnológicas Relacionadas à Participação dos Estados Unidos nos Lançamentos a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, celebrado em Brasília, em 18 de abril de 2000”, foi retirado pelo governo no final do ano passado.
Estava esquecido na Câmara dos Deputados depois de ter sido aprovado “em parte”, no ano de 2002. Desde então, não há tratativas entre os dois países. O I Diálogo da Indústria de Defesa Brasil–Estados Unidos, realizado em 2016, no Itamaraty, permitiu que o tema fosse retomado.
Importante destacar que Brasília manteve, durante este hiato, conversações informais com outros países como Rússia e China. E o fracasso no acordo com a Ucrânia esconde aspectos que fogem à questões de caráter econômico.
Tema estratégico, sensível e comercial
Por outro lado, um acordo desta natureza é absolutamente necessário para o Brasil. Um único lançamento de satélite é capaz de repor grande parte de todo o investimento feito no Programa Espacial. Trata-se de um tema estratégico, sensível, mas também comercial.
A senadora se diz preocupada com a perda de soberania pelo Brasil ao “entregar” Alcântara. Mas esquece que o acordo com a Ucrânia estava longe de ser diferente. Do acordo de 2000, retirado após sucessivas pressões internas, a senadora destaca como graves as seguintes condições impostas por Washington:
i) proibição de usar o dinheiro dos lançamentos no desenvolvimento do veículo lançador-VLS (Artigo III, parágrafo E, do Acordo de Alcântara);
ii) proibição de cooperar com países que não sejam membros do MTCR (Artigo III, parágrafo B, do Acordo de Alcântara);
iii) possibilidade de veto político unilateral de lançamentos (Artigo III, parágrafo A, do Acordo de Alcântara),
iv) obrigatoriedade de assinar novos acordos de salvaguardas com outros países, de modo a obstaculizar a cooperação tecnológica (Artigo III, parágrafo F, do Acordo de Alcântara).
Desenvolvimento científico e tecnológico
Segundo o ministério da Defesa, “o chamado MIEA é fruto da retomada de tratativas entre os dois países, a partir da ratificação pelo Congresso Nacional do Acordo sobre Cooperação em Matéria de Defesa (Defense Cooperation Agreement – DCA) e do Acordo relativo a Medidas de Segurança para a Proteção de Informações Militares Sigilosas (General Security of Military Information Agreement – GSOMIA)”.
O MD destaca ainda que “sem o MIEA, a relação do Brasil com os Estados Unidos seria restrita a esfera comercial (compra e venda). Agora, com este convênio que Washington firma apenas com países considerados parceiros, será aberta uma nova fase que poderá impulsionar ações conjuntas de desenvolvimento científico e tecnológico”.
Ao que parece, há uma sutil diferença que precisa ser considerada: o Brasil participará do desenvolvimento científico e tecnológico, portanto, terá condições de absorver conhecimentos, o que em 2000 não era previsto. O país simplesmente alugava um sítio para os Estados Unidos desenvolverem e lançarem satélites e foguetes a um custo consideravelmente baixo.
É preciso não ideologizar as coisas e dialogar de igual para igual. Ao que parece, os Estados Unidos estão dispostos a fazê-lo e o Brasil deve avaliar bem o preço que pagará para ingressar no restrito clube dos países que detém tecnologias sensíveis.
Além disso, nenhum acordo entrará em vigor sem o devido processo legislativo e ratificação pelas duas Casas do Legislativo. Ao parecer, é o que a senadora pretende provocar, só que não. O objetivo é outro, resgatar o velho e surrado discurso antiimperialista. Com a cabeça na Guerra Fria, não vamos a lugar algum.
O Brasil tem condições de negociar qualquer acordo com maturidade e fazendo-se respeitar e para isso está a própria sociedade, as suas instituições e o parlamento.