A difícil situação econômica que vivemos hoje tem pelo menos um ponto em comum com a fase de transição entre o segundo governo FHC e o primeiro de Lula. Trata-se da projeção de subida sistemática da razão dívida pública/PIB nos anos à frente. Nesse contexto é que surge a dúvida sobre o País estar mais uma vez em vias de encarar uma situação em que, diante da explosão da dívida pública que se projeta como inescapável, a hiperinflação estaria em breve batendo de novo à nossa porta. Para evitá-la, só um ajuste fiscal duradouro.
Ao fim de 2002, diante do sucesso do Plano Real, os resultados fiscais primários eram positivos e elevados para os padrões brasileiros. Só que, diante da elevada razão dívida/PIB da época, das perspectivas de altas taxas de juros reais e baixo crescimento do PIB que se enxergavam, mesmo sendo altos, superávits fiscais ao redor de 3% do PIB se mostravam insuficientes para impedir uma escalada ascendente da razão dívida/PIB. E como havia certo cansaço político para encarar uma nova rodada de reformas estruturais que impedissem uma trajetória crescente dos gastos públicos, parecia que, mesmo sob o amplo sucesso do Plano Real, havíamos nadado, mas íamos morrer no seco.
A Carta ao Povo Brasileiro e a gestão pró-mercado do ministro Palocci, embaladas pelo boom da economia mundial, promoveram o milagre de impedir o caos econômico que se imaginava inevitável em 2002-2003, e o País entrou, junto com outros motivos, num círculo virtuoso impensável durante a transição FHC-Lula.
Passando à fase pós-crise do subprime americano, os desdobramentos das políticas desastrosas seguidas pelo governo Dilma sobre as contas públicas parecem ter jogado fora tudo de bom que se havia obtido na fase precedente. E não adiantou ter sinalizado uma forte reversão dessas políticas no fim de 2014. Mesmo tendo o atual governo nomeado um ministro da Fazenda cuja postura, com a da equipe que o cercava, era diametralmente oposta à do longevo ministro e do time que lhe antecederam, o País vem colecionando fracasso sobre fracasso nos últimos três anos. E na área fiscal, sem espaço para maiores detalhes, a herança maldita da gestão pré-Levy era muito pior do que se imaginava.
Uma parte dessa herança foi a perda da capacidade de a economia seguir crescendo à taxa média de 4,5% ao ano, vigente antes da crise de 2008-2009, o que se deve ao esgotamento do modelo pró-consumo que o governo Dilma insistiu em manter operando, a despeito de todos os sinais para introduzir mudanças drásticas. Os sábios que o assessoravam pregavam, contudo, o “pau na máquina do consumo”, pois o investimento necessariamente ocorreria. Mesmo com a inédita dinheirama subsidiada que desaguou via BNDES, a taxa de investimento há anos só cai e a produção industrial há muito está estagnada.
Nessas condições, uma hora o PIB e a arrecadação parariam de crescer minimamente, e a crise fiscal aguda se mostraria com toda a força, pois o gasto federal, super-rígido, cresce bastante e sempre, mesmo quando é submetido a uma tesoura tão afiada como a do ministro Levy. A recessão que veio a seguir foi só um passo. E o pior é que a recessão atual pode ser a mais demorada de toda a nossa história recente.
Para piorar, voltaram à tona alertas, como o que fiz com colegas no Fórum Nacional de 2012, de que a despesa corrente federal com pagamentos de benefícios previdenciários e assistenciais, além de pessoal, dobraria em porcentagem do PIB até 2040, caso não se retomasse o esforço de reforma há muito abandonado.
Finalmente, a sensação de ter sido enganada na eleição de 2014 tem feito a população avaliar o governo como o pior possível, daí a rejeição hoje manifestada pelo Congresso. Nessas condições, como aprovar reformas que nos tirariam o alto risco de enveredar, de novo, num ambiente em que só a hiperinflação reequilibra a trajetória da dívida, fazendo-a virar pó? Não há, contudo, escolha. Ou se faz isso – com ou sem Dilma – ou serão mais três anos de expiação aguda de pecados…