Preferia não ter escrito este artigo. Aliás, poucas vezes escrevi aqui sobre pessoas que viajaram para o andar de cima. Quando recebi a ligação com a pesarosa notícia sobre o falecimento de Luiz Felipe Lampreia, lembrei que estava devendo a ele uma conversa sobre os acontecimentos recentes na política internacional e na diplomacia. De tempos em tempos, conversávamos bastante.
Eu sabia de sua passagem pela clínica, mas confiava que tudo estaria sob controle. Infelizmente, não aconteceu assim. Entre idas e vindas do hospital, ele nos deixou.
Após o embaixador haver deixado o Ministério das Relações Exteriores, no qual foi um dos mais brilhantes ministros desde Rio Branco, desenvolvemos uma amizade fraternal, em que o interesse pela política e pelos rumos do Brasil nos unia. Ele recebia nossas análises e, aqui e ali, pontuava seus comentários. Com o talento de sempre.
Estivemos juntos em alguns conselhos. Compartilhamos mesas de debate nas quais ele expunha suas observações pertinentes e agudas. Era mais do que um diplomata. Era um pensador das relações internacionais e da política. Sua visão alcançava um mundo ao qual se integrava um Brasil com protagonismo, parceiro de uma democracia plena, intransigente defensor da paz.
Integrou a competente equipe do chanceler Azeredo da Silveira (governo Geisel), que planejou o reatamento com a China e reconheceu as jovens democracias africanas antes que qualquer nação desenvolvida. Por isso, esse time merecia frequente destaque nos depoimentos de diplomatas de vários países e reportagens da mídia norte-americana.
Era o porta-voz do Itamaraty, com papel estratégico na divulgação da política externa, um privilégio para a elite de jornalistas que fazia a cobertura do assunto sempre com grandes espaços. Na época, o MRE tinha papel destacado como formulador da estratégia do relacionamento do país com o exterior, como também era ouvido sobre assuntos de natureza econômica. O chanceler Silveira era um colaborador que desfrutava a confiança e a intimidade do general Ernesto Geisel, um dos poucos civis nessa condição. O Itamaraty estava sempre presente nos debates sobre o futuro do Brasil e o caminho a seguir para conquistá-lo.
No episódio do reatamento, Lampreia teve uma relação aberta com a imprensa. Além do mapa-múndi, amava a estrela solitária do meu Botafogo. Comungávamos também o fanatismo pelo futebol. Além de profissional competente, era um refinado cozinheiro, para deleite dos amigos, a quem premiava com suas criações.
No momento em que ele se vai, meses após a perda de outra grande expressão da nossa diplomacia, Sebastião do Rego Barros, salta à vista em sua extraordinária carreira o carinho com que tratava as pessoas. Não existia em Lampreia resquício de soberba. Nem sua trajetória internacional, de retumbante sucesso, nem o amplo acesso aos poderes diplomáticos e econômicos internacionais o tornaram arrogante.
Nas últimas décadas, apesar de sua poderosa imagem, sempre foi discreto ao abordar os rumos da nossa diplomacia. Silenciosamente, lamentava os equívocos ocorridos em penca. Até nas críticas era elegante. Há poucos como ele.
Sua gentileza e inteligência devem ficar como exemplo em um país onde a política carece das necessárias e básicas noções de honestidade, honra, moral, educação, bons costumes, preparo, elegância e competência. Qualidades que Lampreia tinha de sobra.