A guerra de mentira


Dizem que Winston Churchill teria dito (o que foi desmentido por uns e confirmado por outros): “Lá vem um táxi vazio e dele desce Neville Chamberlain”. A irônica frase caracterizava o perfil desse primeiro-ministro inglês que, sem muita convicção, declarou guerra aos nazistas e passou oito meses em lentos preparativos para o conflito. Historicamente, o período que vai de setembro de 1939 a maio de 1940 é conhecido como a “guerra de mentira”. Com a ascensão de Churchill, em 13 de maio de 1940, a guerra de verdade começou.

Busco o exemplo na História para ilustrar o fato de que o Brasil vive, desde a reeleição da presidente Dilma Rousseff, em outubro de 2015, uma longa “guerra de mentira” contra a inflação, a recessão e o desequilíbrio fiscal. Houve alguns avanços. Em especial, no que se refere ao ajuste de certos preços públicos e das contas externas, com um câmbio mais de acordo com nossas condições. E dizem que as “pedaladas fiscais” foram contidas, entre outros aspectos pontuais. Tenho sérias dúvidas. Afinal, outro dia o TCU informou que usaram os recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações para pagar vale-transporte e plano odontológico de servidores públicos. Tudo nas barbas complacentes da oposição.

Mesmo com a crise estapeando a face do governo e do povo, nada de muito relevante foi feito. É certo reconhecer que no campo fiscal e no ambiente de negócios o governo não fez o dever de casa. Pior: em meio à crise de confiança, adiou o anúncio de medidas de austeridade fiscal. O mundo político tampouco se mobiliza. Aceita a paralisia do governo. Trafegam todos na contramão da conjuntura e, sobretudo, do interesse nacional. Por isso estamos perdendo a guerra de verdade pelos investimentos e travando uma guerra de mentira contra a estagflação. Além de nada acontecer, mantemos incólume nossa imensa incompetência na gestão das políticas públicas.

Por exemplo, das dez maiores obras do PAC apenas duas foram concluídas. A causa não foi apenas falta de dinheiro, mas também planejamento inadequado, entre outros problemas de gestão. A prometida racionalização da máquina pública – com enxugamento de cargos e ministérios – não foi posta em prática. Basicamente, o governo jogou na defensiva para proteger sua autonomia e não enfrentou os problemas.

Chamberlain, querendo evitar a guerra contra os nazistas, fez concessões absurdas a Hitler em 1938. Retornando de Munique, onde negociara com o Führer, disse na Inglaterra que o acordo e as concessões aos nazistas significaria “peace in our time”. Não foi o que aconteceu. O governo brasileiro, buscando alguma “peace in our time” entre seus aliados ideológicos, reluta em fazer o dever de casa fiscal e em modernizar, de forma aguda, o ambiente de negócios no País.

Somos todos punidos pela demora do governo em enfrentar os problemas criados por ele mesmo. Ainda agora, por causa da paralisa do governo, fomos mais uma vez rebaixados pelas agências de avaliação de risco, postos no mesmo patamar da Bolívia de Evo Morales. Nelson Barbosa nunca se importou muito com os ratings. Meses atrás, quando o Brasil foi rebaixado a primeira vez, encarregou-se de espalhar ser apenas um índice entre outros indicadores. E que estávamos melhor do que antes. Foi um grave erro, que comprometeu sua imagem.

Paradoxalmente, nunca estivemos tão próximos de resolver os nossos problemas. Só que a grossa parede de preconceitos ideológicos e a incompetência nos impedem de vencer o último quilômetro. Todos sabem que reduzir o tamanho do Estado e o tamanho de sua indevida intervenção na economia é o caminho para a retomada do tão necessário crescimento. Sobretudo empreender a caminhada pela reconstrução da credibilidade perdida com medidas que apontem para a austeridade fiscal.

As mudanças terão de ocorrer, agora ou mais tarde. É uma questão de tempo. E tempo parece ser um tema que não preocupa o governo. O adiamento das medidas adicionais de ajuste fiscal comprovam o ritmo quase parando de propor mudanças. As discussões esvaziadas da reforma previdenciária também revelam a falta de convicção. Portanto, quem deseja um Brasil progressista, voltado para o emprego e o desenvolvimento econômico e social sustentável, deve esperar sentado, ou mesmo deitado, já que nosso governo busca o “peace in our time” enquanto os monstros da inflação e da recessão devoram a renda e o emprego.

Como o Brasil é um país de paradoxos, Dilma ainda poderia fazer história e se transformar na líder que não foi. Ser a presidente que ainda não temos, como disse Delfim Netto ao se referir à atualidade do presidencialismo no Brasil. Basta reconhecer que o modelo não deu certo e é hora de mudar radicalmente. É hora de acabar com a “guerra de mentira” e enfrentar o desafio de reequilibrar o Brasil a partir de medidas ousadas, com ataque a questões críticas que envolvem Previdência, gasto público, desburocratização, privatização e reforma tributária, entre outras. Só com um choque de credibilidade fiscal e uma agenda modernizadora poderá evitar que o Brasil prossiga em letargia rumo ao já anunciado coma profundo.

Para tal, já passou da hora de ampla negociação e entendimento, tendo o futuro do País no centro dos interesses. É dever de todas as forças políticas abrir mão dos interesses próprios para buscar uma agenda nacional com apoio imediato do Congresso, atitude que demanda empenho e desprendimento tanto da presidente quanto da oposição e suas lideranças. Não é fácil. Mas o momento exige. É hora de o governo e o mundo político preencherem o táxi vazio em que transitam sem ir a lugar nenhum. E buscar um novo rumo para o País. Infelizmente, os sinais não são animadores. Estamos perdendo a guerra da mentira e fugindo da guerra de verdade. A situação econômica terá de piorar muito antes de governo e políticos acordarem.

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