A ética de Brasília não é a mesma no resto do país. Está na hora de falarmos sobre isso


Quando a lista de nomes de políticos investigados pela Lava-Jato foi liberada por Edson Fachin, ministro do Supremo Tribunal Federal, a imprensa tratou o episódio como o começo do fim de tudo, o fim do governo e, possivelmente, o fim do atual ambiente político.

Com o passar dos dias, a poeira foi baixando, e muitos dos veículos de comunicação que receberam a relação preparada pelo ministro como o fim de tudo começaram a explicar que se tratavam apenas de nomes suspeitos e que uma investigação mais detalhada se iniciaria. Alguns dias depois, após consultas com especialistas, a imprensa passou a compreender e transmitir para a sociedade que a punição desejada por tantos ocorreria (se ocorresse) em muitos anos (algo em torno de oito a dez anos).

Semanas antes, em conversa com parlamentar catarinense da base aliada, ele mencionou os nomes dos políticos que poderiam sair a qualquer momento. O político – que ficou de fora – citou alguns personagens que esperava ver ali – todos os ministros incluídos (menos Bruno Araújo), os governadores, uns dez parlamentares e vários ex-integrantes do governo Dilma.

Em Brasília, raciocinou o parlamentar, a política desenvolveu um funcionamento próprio – e ele está em um mundo paralelo, baseado em outros tipos de ética e de moral. Brasília já se acostumou a conviver com muitos dos crimes que nos chocam. Os repórteres que fazem cara de surpresa quando estão no ar, fora dele conhecem muito bem aquelas engrenagens.

Na visão do deputado, a propina e todos os mecanismos de corrupção desfrutados por um político ou um agente público deveriam resultar em perda de mandato, direitos políticos e cadeia. No caso de “Caixa 2” ou doações de campanha não-contabilizadas, ele defende a continuidade do mandato, mas a inelegibilidade para o período seguinte, além de multa de algum tipo.

Quando a lista foi finalmente publicada, mandei um Whatsapp para ele: “Na mosca, hein?” Sua resposta foi lacônica: “Thiago, ninguém se surpreendeu. Todos esperavam. Para vários parlamentares do PMDB, PSDB, PT e de outros partidos, a liberação na verdade foi ótima. Agora eles saem do campo da especulação e já começam a montar suas estratégias de defesa.”

O fato é que a política brasileira é corrupta há anos. O desinteresse da sociedade em entender como funciona o sistema político e como seu país é dirigido também existe há muito tempo. Brasília tornou-se um lugar problemático porque foi abandonada pela sociedade que buscava apenas soluções econômicas e assistencialismo; raramente o eleitor cobrava ou lembrava quem era o seu representante.

Impactos da lista do Fachin

A “lista do Fachin” é um fato seríssimo a curto, médio e longo prazos. A curto prazo, poderemos ter impacto na saúde e na unidade da base aliada. Base que se mantém minimamente coesa tendo a popularidade baixíssima do presidente Temer de um lado e escândalos contínuos de outro – e esse equilíbrio pode sofrer com o ambiente que se criou.

“A diferenciação entre políticos da turma do caixa 2 e da turma da propina pode gerar um racha”, diz um parlamentar governista. E afetar os dois principais objetivos do governo: reforma da previdência e reforma trabalhista.

A médio prazo, a lista começará a produzir efeitos positivos. Com a proximidade das eleições, alguns nomes poderão simbolizar um processo de renovação parlamentar e atrair uma atenção maior do eleitor. Além disso, os políticos que não foram catalogados passarão a evitar colegas com quem convivem lado a lado.

A longo prazo, a lista pode simbolizar o começo da mudança para o país que queremos. Essa é a visão e o desejo de todos, mas poder simbolizar não quer dizer que simbolizará. “Não acredito em grandes mudanças enquanto o judiciário brasileiro funcionar na velocidade em que funciona. As punições não vêm, os exemplos não aparecem e no novo ciclo econômico positivo a tolerância para com a corrupção volta a aumentar”, disse o parlamentar catarinense.

Não sou tão pessimista quanto ele, mas dificilmente o que a Lava-Jato está trazendo de mudanças para o cenário político-eleitoral persistirá se um engajamento mais inteligente da sociedade e de formadores de opinião não florescer.

Publicado na GQ em 19/04/2017 

Postagens relacionadas

Institutos de pesquisa confrontam os likes do Twitter de Bolsonaro

Institutos de pesquisa confrontam os likes do Twitter de Bolsonaro

Possível liberação do aborto de fetos com microcefalia pelo STF é criticada na CAS

Usamos cookies para aprimorar sua experiência de navegação. Ao clicar em "Aceitar", você concorda com o uso de cookies. Saiba mais