A pauta do Senado Federal prevê para essa terça-feira (3) a votação do projeto de lei que propõe a independência do Banco Central (BC). O tema é promessa de campanha de Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, mas tem sido discutido no Brasil há décadas. De acordo com o banco de dados do Congresso Nacional, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 19 de 2019, que pode ser votado hoje, é a décima proposição sobre o assunto a ser apresentada, sendo que o primeira foi registrada em 1991.
De acordo com as regras atuais, apesar de precisar de aprovação do Senado, é o presidente da República que nomeia o presidente e os diretores do BC, tendo poder também para exonerar quando quiser. Para parte dos economistas, a independência do órgão, que é responsável por controlar a inflação, é importante para se evitar que o banco deixe de desempenhar suas funções por conta de pressões políticas.
“O governo pode ser tentado a promover um maior crescimento de curto prazo, criando pressões inflacionárias, em períodos pré-eleitorais, de modo a influenciar os resultados das eleições. A autonomia formal do Banco Central impede essas pressões e dá maior credibilidade à política monetária”, defende Plínio Valério (PSDB-AM) autor do PLP 19/19, na justificativa do projeto.
A tema é defendido, inclusive pelo atual presidente do banco, o economista Roberto Campos Neto. “Hoje o Brasil é uma ‘jabuticaba’, porque nós temos um sistema de meta que é comparável com os de outros países, mas não temos a independência”, defendeu ele durante a sabatina no senado que o aprovou para o cargo.
Por outro lado, há economistas que defendem que o BC precisa ter uma atuação alinhada ao Executivo para melhor reagir às crises e garantir que a instituição não sirva somente ao mercado financeiro.
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“Haverá um risco muito grande de captura da política monetária pelas pressões de mercado, e é isso que me preocupa e me faz ser contrário à autonomia, precisamente o risco que há de captura do Banco Central e da política monetária pelo mercado”, defendeu o economista Bruno Moretti em entrevista para a Agência Senado.
O que diz o projeto
Com a autonomia, algumas regras de funcionamento do banco central passam por mudança. O projeto do senador Plínio Valério prevê que o presidente do BC deixe de ser considerado um ministro, passando a ter mandato fixo de 4 anos, que não coincida com o mandato do presidente da República. O chefe do BC entraria no cargo no terceiro ano do mandato presidencial, passando metade do seu mandato no governo seguinte.
Apesar do texto (como está agora), manter o poder do presidente da República para indicar o presidente da instituição e os diretores, o chefe do Executivo não poderá demitir os dirigentes quando quiser. Para isso, deve enviar a sugestão ao Senado, que pode aprovar ou não. A exoneração também pode acontecer por pedido do próprio dirigente e em caso de condenação criminal transitada em julgado.
Metas do Banco Central
Apesar de colocado em pauta, não são todos os pontos do texto que contam com o consenso dos senadores. Uma emenda apresentada pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) e acatada pelo relator do texto, senador Telmário Mota (Pros/RR), prevê que ao se tornar independente, o BC terá como função não só gerar estabilidade econômica pelo controle da inflação, mas também fomentar o pleno emprego, em uma espécie de “duplo mandato”.
“O maior entrave para se fechar um acordo foi justamente essa inclusão. Na realidade, ela dá um duplo mandato à direção do Banco Central”, protestou o autor, Plínio Valério, em entrevista à Arko Advice.
Esse [o duplo mandato] é o ponto nevrálgico, o tendão de Aquiles do projeto
Senador Plínio Valério
“O pessoal do governo até concordou, mas foi o mercado que se assustou com essa emenda, que já havia sido rejeitada no primeiro relatório do senador Telmário Mota (PROS-RR) e agora voltou. Esse é o ponto nevrálgico, o tendão de Aquiles do projeto”, pontua.
Muito chão pela frente
Mesmo que seja aprovado no Senado nesta terça-feira, o projeto de autonomia do Banco Central ainda tem um longo caminho a percorrer. Isso porque precisa ser aprovado também pela Câmara dos Deputados, onde também tramita um projeto sobre o tema – o Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/19, de autoria do Executivo.
“Pode acontecer algo semelhante ao que aconteceu na votação do Marco Legal do Saneamento e a Câmara dar preferência ao texto do Executivo. Assim, será ela a dar palavra final sobre o assunto”, explica Cristiano Noronha, cientista político da Arko Advice. Como o projeto começou a tramitar na Câmara, o texto voltaria para ajustes na casa se o Senado fizer modificações.
Para Noronha, essa duplicidade de projetos pode acabar fazendo com que a análise do tema seja finalizada só no ano que vem.