A decisão do presidente do Brasil de intervir na política de preços da Petrobras chega como uma decepção em Wall Street
Para Jair Bolsonaro, bancar o liberal na economia é uma delícia. Ser, na prática, é um pesadelo. Principalmente se você estiver no lugar certo, mas na hora errada. Entre o querer e o ser, parte do Brasil que vota se alimenta de intenções, enquanto a parte do Brasil que produz, emprega e é empregado, regurgita frustrações. A decisão do Presidente Bolsonaro de intervir na política de preços da Petrobras, demitir seu Presidente e nomear um general para a função, chega como uma decepção em Wall Street e não necessariamente como um choque. O governo já demonstrou muitas vezes que é um governo de “direita” em temas muito específicos e autointitulados, mas nunca de uma forma ampla e compreendida pelo mercado como “liberal”.
Pois bem, sempre a realidade se impõe, seja em um governo que se autointitule de esquerda ou de direita. Quem rotula é a História e o observador, nunca o observado. Ao menos dentro do ângulo de uma parte relevante do mercado financeiro, ser liberal, pró-diminuição do Estado, a favor de simplificações processuais e burocráticas, além de privatizador, não é uma postura do Presidente Bolsonaro. São novidades trazidas por Paulo Guedes que soaram interessantes, porém se mostraram difíceis de implementar dentro de um ambiente político onde o Presidente agiu como um piloto solitário de um monomotor que anunciou o sequestro do próprio avião e mudou a rota completamente, deixando o solo perplexo, só não ele.
O reajuste de preços por parte da Petrobras tende a ser uma desagradável necessidade. “Quando o governo interfere numa estatal, principalmente em uma como a Petrobras, é um péssimo sinal”, disse um gestor de um fundo de NY especializado em commodities na América Latina, “quando faz isso e ainda afirma que não está interferindo de forma alguma, aí é pior ainda, pois normaliza uma tendência que certamente veremos novamente em breve”, concluiu.
Tudo é expectativa e entrega. Nas primeiras horas após o anúncio, as ADRs da Petrobras registravam queda de quase 16%. Essa queda contabiliza um pouco da decisão em si em relação a não reajustar o valor do combustível, mas grande parte dessa queda se dá pela famosa expressão de “ihhhh”.
A Petrobras entra em uma posição complicada. Não vale a pena investir em ações da empresa até ter uma clareza maior em relação a como seria uma gestão do General Silva Luna e até que ponto o governo seguirá intervindo. Com isso, mesmo com a possibilidade de recuperação nos preços do barril do petróleo no curto prazo, a empresa estará manchada pela mão do governo naquilo que mais machuca quando se mexe: política de preços.
Há de compreender os aspectos políticos também. À medida que Bolsonaro percebe a dificuldade de expandir o auxílio emergencial e retomar o volume de distribuição do auxílio que vimos no ano passado, sua popularidade entre parte da população que se beneficiou desse auxílio cai. A mensagem do Ministério da Economia é que novos e contínuos pacotes de auxílio gerarão uma pressão fiscal que só vai dificultar mais ainda lá na frente. A intervenção direta no preço do combustível traz um aspecto populista importante (tentar a manutenção de uma parte do eleitor que voltou a mostrar dúvidas em relação ao governo), mas afasta alguns formadores de opinião do mercado financeiro no Brasil que defendem a postura econômica do Presidente.
Entre um caminho que mostrava dezenas de privatizações e um triunfante rumo em direção à recuperação econômica e outro onde as dificuldades reais e autogeradas da manutenção da governabilidade restringiriam parte desses objetivos privatizantes e reformistas, seguimos um que não estava necessariamente listado: o mais do mesmo.
Livre mercado no Brasil é bom para o governo dos outros. O Brasil não deixa de atrair investidores por conta da sua magnitude e das oportunidades geradas ainda pelo setor privado. O governo não ajuda e nem atrai. Quanto maior o silêncio e a falta de notícia, maiores os sinais para investidores de que “se não tem notícia, está tudo no mesmo”.
Texto publicado no Estadão em 20/02/2021