Por que tanta paixão, se já estamos em guerra? Melhor seria começar a raciocinar. Não é o orçamento monetário que faz uma autoridade eficiente. É o mobiliário moral que utiliza. O mal vem gotejando lentamente e aproxima dois mundos escandalosamente vencedores.
A situação permanente de conflito em que vive o Brasil contém um fato estranho. Menos de mil autoridades do Estado consomem o tempo de 204 milhões de habitantes. Número semelhante de marginais comanda o crime que inferniza a vida dos moradores das cidades.
Quem pilota a tensão nacional atual — políticos, juízes, procuradores e policiais — na alta cúpula dos Três Poderes, anda usando voz de comando parecida a de quem atemoriza bairros. Curve-se, aqui mando eu, você pode, você não.
Nada protege a mente obcecada por influência da submissão total ao padrão oferecido pelo privilégio. Se a vaidade é do poder o maior recreio, a ambição é seu fundamento. Nenhum dos grupos, do lado oficial ou da banda delinquencial, cuida de prevenção, contenção, moderação ou término das hostilidades em sua área. Com objetivos diferentes, o denominador comum é aumentar os envolvidos e aprisionar o país na apuração e produção do delito.
Desordem bem administrada
O privilégio, no Estado e no crime, é ser parte do conflito. É ele a causa da corrupção e da violência. Mas ambos advogam, com algum sucesso ainda, que são na verdade sua consequência. Conseguiram uma razoável desordem bem administrada na cabeça da sociedade para confundir a origem da bagunça nacional.
Quando jovens delinquentes chegam ao topo do crime, antes dos 25 anos, se metem na vida faustosa de carros, seguranças, drogas, hotéis, lajes com churrasqueiras e piscinas. Delimitam território, impedem que pessoas livres circulem, não deixam crianças ir à escola. Definem o acesso e a frequência à praia para punir a maioria. Morrerão antes dos 30 por contribuírem para que o país não seja justo.
Na alta cúpula do Estado, antes dos 40 anos, muitos se sentem velhos. Funcionários humildes carregam suas malas e, certos de aposentar antes de 60, alugarão a mansão que compraram com salário extrateto e auxílios impublicáveis. Viajarão por dois anos pelo mundo, como saudáveis inúteis, cujo espírito saiu do corpo antes da hora. E por mais 40 anos serão pagos pelos que trabalham. Especialistas em cápsulas de café, entediados fumadores de charuto, bebendo conhaque no calor criticarão a violência do país que ajudaram a fazer injusto.
O comportamento conflituoso nasce de objetivos morais incompatíveis com a vida da maioria das pessoas. O conflito é uma técnica e um instrumento de poder que visa a impedir a fundação de um sistema de segurança e compreensão coletivos. Freia o sistema de negociação e arbítrio, a cultura da autonomia que nasce do diálogo e do partilhamento de interesses da sociedade envolvida.
Qualquer jurisdição de exceção deixa sem saída a maioria. Seja da elite legal, com seus ninhos e lobbies de carreira, seja da elite ilegal, pela imposição do medo. Ambas permanecem ativas pelo espírito de corpo e instrumentos de coerção superiores aos que a sociedade dispõe.
Duas margens de um rio que ameaçam se encontrar.