Um dos desafios sempre adiados do processo de integração foi a definição do alcance daquilo que chamamos de soberania. O conceito foi essencial na definição das identidades nacionais, no século XIX, mas na segunda metade do século XX sofreu mudanças, em grande parte destinadas a enfrentar ameaças contra os estados.
Os crimes ambientais propiciaram uma discussão sobre as responsabilidades de um estado que incidem em outro, seja nuvens toxicas, contaminação de rios de curso sucessivo, e talvez o principal problema da atualidade: as mudanças climáticas.
A luta em defesa dos direitos humanos é outro assunto que tem sido levado também ao âmbito mais amplo da humanidade, a ponto de se criar um tribunal especializado para julgar crimes contra a humanidade.
A integração regional do Mercosul avançou nos últimos anos com a criação de normas comuns, tanto no que diz diretamente ao comércio, quanto a outras áreas da atividade, como a tentativa de harmonizar currículos ou normas legais.
O maior salto nessa área foi sem dúvida a união aduaneira, que consiste em adotar a mesma política comercial, decisão muito questionada, mas que continua vigente entre os membros do Mercosul.
Mas, ainda há vestígios desse conceito de soberania bem ao estilo do século XIX que constituem sérios entraves à integração, como lembrou nesta quarta-feira o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, durante a abertura da reunião de cúpula dos procuradores da República do Mercosul.
“Nossas fronteiras, hoje, só servem de limite aos Ministérios Públicos, à Polícia e ao Judiciário. Não aos delinquentes de todas as partes e espécies”, disse Janot.
O Procurador-Geral do Brasil disse que esses entraves dos governos “privam os Ministérios Públicos de sua autonomia para a realização de investigações transnacionais, notadamente de corrupção, subjugando os interesses público e do Estado à vontade ocasional de certos governos”.
A norma, no Executivo, tem sido a intermediação do Ministério das Relações Exteriores em qualquer contato com autoridades de outro país. Essa visão considerada atrasada pelos membros do ministério público da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai é criticada por esse monopólio que impede a necessária fluidez nos contatos entre autoridades judiciais.
“Nossos limites são a constituição e as leis e não aceitamos entraves burocráticos”, disse o Procurador-Geral do Uruguai, Jorge Diaz, ecoando uma preocupação comum.
Para os procuradores é um contrassenso a intermediação de quem poderia estar implicado em escândalos de corrupção. A Procuradora-Geral da Argentina, Alejandra Gils-Carbó, denunciou as manobras dos governos para controlar o Ministério Público e lamentou as dificuldades para o intercâmbio de informações sobre o caso Lava-Jato/Odebrecht.
“Algumas autoridades ainda estão no século XIX quando a tecnologia já superou as distâncias de antigamente”, disse, ao confidenciar que as autoridades se comunicam através das redes sociais.
Janot defendeu a adoção dos critérios usuais de cooperação existentes entre os países da União Europeia e defendeu a criação de equipes conjuntas de investigação entre países, com atuação independente, sem a interferência de autoridades centrais.