Certa vez escutei a história de um senhor idoso que caminhava com os cadarços desamarrados. E, temendo uma iminente queda, um transeunte tentara alerta-lo.
Calmamente, o senhor respondeu: “Meu filho, eu vivo tropeçando e caindo. Minha esposa diz que eu sou um velho fraco quando caio sem razão aparente. Passei a andar com o cadarço desamarrado para sempre ter uma razão para cair. Ela se importa apenas com a razão da queda, não com a queda em si”.
Pensando na tal história, percebi os inúmeros personagens do nosso confuso ambiente político que andam com os cadarços desamarrados. Caso de Rodrigo Janot, por exemplo, que apresentou a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer de cadarços desamarrados.
Inteligente como é, buscou o aspecto simbólico e resiliente de apresentar a segunda denúncia mesmo sabendo que o ambiente na Câmara não está favorável ao acatamento do pedido. “Talvez ele tenha demorado demais para apresentar a segunda acusação”, disse um parlamentar peemedebista. “Além disso, o episódio do Joesley e do Marcelo Miller mudou totalmente a percepção de governo e oposição em relação a ele”, prosseguiu.
De fato, o pé direito de Janot foi desamarrado por Joesley, quando este omitiu e modificou aspectos de sua delação, enquanto o pé esquerdo foi preparado para a queda por Marcelo Miller, que, aparentemente, já negociava com um escritório de advocacia a forma como iria trabalhar no caso da JBS antes de sair da PGR. No entanto, independente desses obstáculos claros, Janot decidiu seguir adiante com a segunda denúncia.
Desde quando a primeira foi apresentada em junho, diversas coisas mudaram e muitos terrenos, onde os embates da Lava-Jato são travados, sofreram fortemente com dois aspectos: a pressão causada contra o presidente Temer com a primeira denúncia, assim como a pressão contra Janot por conta da mesma.
Na Câmara dos Deputados, terreno mais observado e execrado pela sociedade, o resultado foi o da absolvição. Não foi surpresa para ninguém em Brasília. “Todos sabiam que Temer não seria condenado”, comentou um petista. “No entanto, o processo contra ele gera um desgaste à Presidência e chama a atenção para outros problemas”.
Sabemos que Janot esperava, sim, que a denúncia fosse acatada pela Câmara, sobretudo por causa da pressão da imprensa. Já nesta segunda denúncia, não existe muita expectativa. Os cadarços desamarrados por Joesley e Miller já são as convenientes razões para a queda da segunda acusação.
No STF, formou-se um confronto entre Janot e Gilmar Mendes e, de certa forma, entre PGR e Supremo. “A falta de consistência demonstrada pelas falas posteriores do Joesley e o fato que o ministro Fachin havia corroborado os benefícios de Janot, tiraram muita credibilidade do Supremo”, disse um governista ao sustentar um discurso óbvio.
No campo da oposição, os seguidos gestos contra geraram uma confusão no trato da credibilidade da PGR e de algumas figuras do Supremo: “Identificamos claramente acusações legítimas contra alguns membros do governo. No entanto, há também uma boa dose de perseguição política contra outras pessoas”, foi o argumento.
Em parte da imprensa, o episódio da delação atabalhoada de Joesley confundiu a cabeça de jornalistas contra e a favor do governo. Quem era exaltado, respaldado por uma suposta credibilidade dos delatores, deixou de ser e quem não era passou a ser. Inteligentemente, em Curitiba, Moro retomou as rédeas e voltou a trazer a Lava-Jato de volta às primeiras páginas.
Em agosto, a acusação caiu simplesmente pela composição política na Câmara. Sem entrar no mérito, infelizmente todas as grandes e importantes decisões são mais baseadas nas composições políticas do que na essência da matéria.
Na primeira denúncia, os cadarços de Janot não estavam desamarrados e a queda não foi bem digerida. Nessa segunda acusação, pronta para ser votada nas próximas semanas, os cadarços já foram convenientemente desamarrados de antemão. Tal qual fez o senhor da história dos cadarços.