O juiz João Pedro Gebran Neto, do TRF4 de Porto Alegre, parece buscar distância do mise-en-scène pelo qual enveredaram alguns colegas togados do STF, incontidos em verborragia política. Pode até ser bem-sucedido na empreitada de se mostrar sóbrio, mas tornar-se célebre independe de sua vontade.
Ele e seus dois colegas, Victor Laus e Leandro Paulsen, integrantes da 8ª turma do Tribunal Regional Federal, 4ª região, detêm as chaves do futuro imediato do Brasil – que deveria (re)começar em 2019, com a posse do novo mandatário. Gebran, no entanto, é o protagonista, já que cabe a ele relatar o recurso à sentença que condenou Lula a nove anos e meio de cadeia.
A pena foi lavrada em julho deste ano pelo sufeta de Curitiba, Sérgio Moro. Se confirmada pelo TRF4, pode inviabilizar nova candidatura do ex-presidente.
O dilema daquela corte começa pelo processo onde Lula é acusado (corrupção e lavagem de dinheiro) de ser o dono oculto do tríplex do Guarujá (SP). Isto por que há argumentos para as duas partes, acusação e defesa.
De um lado, evidências periciais e testemunhais em desfavor do ex-presidente. Do outro, a inexistência de posse formal e usufruto do imóvel.
Fato é que sem o relatório de Gebran, nada acontece. Ou, pior, tudo pode acontecer. Até mesmo o agravamento do limbo em que se encontra o país, podendo gerar, até mesmo, uma inédita indefinição institucional. Exagero? Vejamos.
Escolhas têm consequências
Aparentemente sabedor de sua imensa responsabilidade, o relator tem repetido que não está preocupado com as “consequências políticas” de sua decisão, mas, sim, com as “jurídicas”. O discurso é inteligente. Tenta mostrar equidistância, mas não ingenuidade.
No entanto, por não ser ingênuo deve saber que está próximo do impossível a um juiz ignorar seus sentimentos, suas vicissitudes, suas inclinações políticas e religiosas, a pressão da imprensa, as conjecturas sobre o porvir. É como o julgamento da chapa Dilma Temer, as preferências pessoais não ficaram de fora.
O magistrado faz opção política quando elege como militância paralela o debate sobre o SUS e a extensão que deve ter o atendimento da saúde estatal. A atividade é eletiva, não está entre suas incumbências.
Numa recente entrevista à revista Época, Gebran demonstra com mais clareza não estar alheio ao mundo da política. “Somos responsáveis quando votamos, elegemos e participamos da atividade política”, reflete.
“A sociedade vai ter de dar conta de eleger boas pessoas, tomar cuidados para verificar qual é o programa daquele partido”, prossegue. “No futuro, o brasileiro vai saber fazer escolhas”, aponta, noutro trecho. Se “vai saber” é porque ainda não sabe?
É como se dissesse, de maneira cordata, que os brasileiros não podem jogar toda a responsabilidade de nossas mazelas no Parlamento eleito… pelos brasileiros. Esta conclusão, hoje mais disseminada, vai de encontro à corrente majoritária que repete – desta vez, sim, ingenuamente – que o Congresso Nacional é uma ilha de meliantes cercada por gente de bem.
Não que a letra da lei, a hermenêutica e a jurisprudência não devam integrar o veredito do magistrado. Mas não há como julgar Lula sem dimensionar as consequências políticas, econômicas e jurídicas que advirão da decisão. E por elas ser influenciado.
Politicamente, implica, por exemplo, tirar ou manter no páreo presidencial o líder popular que mobiliza um terço dos brasileiros. Economicamente, apontar para uma economia mais aberta à iniciativa privada ou volver à mão pesada do Estado onipresente.
Cada juiz, uma sentença
Juridicamente, as escolhas também são múltiplas. Depende se o julgamento se der até o prazo limite de inscrição das candidaturas, durante o primeiro turno das eleições de 2018, durante o segundo ou – supremo caos! – após a proclamação do vencedor.
Num rápido exercício de conjectura, imagine o juiz Gebran Neto que seu relatório seja julgado com o novo presidente já instalado no Palácio do Planalto. E se este presidente for Lula. Como remover um presidente empossado com milhões de votos?
Se a resposta for “não posso deixar isso acontecer” é porque a consequência política é relevante o suficiente para evitar a procrastinação. Determinando per se maior ou menor celeridade do processo. Logo, as possibilidades anteriores também devem ser sopesadas… politicamente.
Para se ter um quadro da miríada de recursos à disposição da banca que defende o ex-presidente basta ler aqui uma rápida digressão do vereador Cesar Maia. A encrenca, discorre o edil, passa pelo próprio TRF, o STJ, o TSE e o STF.
Em cada colegiado, cada juiz quererá deixar para a história sua marca nesse imbróglio inusitado. Confusão a perder de vista.
Se o julgamento de Lula pela 8ª turma se der ainda no primeiro semestre de 2018, talvez o caso tenha alguma probabilidade de conclusão antes das eleições. Porém, quanto mais demorada for a sentença, maior a barafunda. Do tamanho do eleitorado de Lula.