Alexis de Tocqueville, aristocrata francês do século 19, escreveu a respeito da democracia norte-americana algo como “na América não existem aristocratas, com as possíveis exceções de juízes e advogados”.
O economista Delfim Netto observou certa vez que os advogados são os únicos trabalhadores do país a ter seu emprego garantido pela Constituição. Delfim se referia, com ironia, à primeira oração do art. 133 da CF/88: “O advogado é indispensável à administração da justiça.”
Graças a um competente lobby desenvolvido durante a Constituinte, o Ministério Público conseguiu assenhorear-se de um poder e de uma autonomia nunca antes experimentados por aquela instituição na nossa história republicana.
Autonomia e poder que muito bem têm feito ao país, mas que tornaram a Procuradoria Geral da República um órgão sui generis. A PGR vincula-se formalmente ao Executivo, mas na prática constitui um quarto poder, organizado não hierarquicamente, o que significa que o Procurador-Geral da República e os chefes das seccionais da PGR nos estados não exercem nenhuma ingerência nas atividades dos procuradores federais. Eles fazem o querem e só prestam contas a um conselho de pares, o Conselho Nacional do Ministério Público.
Algo semelhante se dá com o Judiciário e o Conselho Nacional de Justiça, com a importante diferença de que nesse caso trata-se um dos poderes constituídos da República. Os mecanismos de controle e de prestação de contas dessas instituições poderia beneficiar-se de um aggiornamento, em prol do cidadão.
Tudo isso vem a propósito do recente embate entre os Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público sobre a votação da lei que coíbe o abuso de poder e das dez medidas contra a corrupção. O juiz Sérgio Moro disse ontem no Senado que este não é o melhor momento para se votar uma lei de abuso de poder para enquadrar os operadores da justiça. O mesmo vale para as dez medidas contra a corrupção.
O pacote anticorrupção proposto pelos procuradores de Curitiba não era perfeito e merecia ser emendado pelo Congresso. Certamente não da forma como foi feito pela Câmara dos Deputados, de madrugada, e enfiando-se ali um extemporâneo artigo que trata do objeto de uma lei inteira em discussão simultânea no Senado. O açodamento de uns e o espírito revanchista de outros, abstraindo-se o mérito das iniciativas, açulou os ânimos populares e jogou o país às portas de uma crise institucional.
E tudo o de que não precisamos agora é de mais uma crise institucional.