Com muitos tripulantes recrutados no desastrado governo deposto, não há surpresas nos problemas enfrentados na travessia Temer. O que surpreendeu foi a disposição de deflagrar improváveis reformas.
A travessia Temer resistiu às violentas borrascas de origem política, infiltradas em ações contra a corrupção, que produziram uma enorme confusão entre iniciativas eficazes e mera pirotecnia, culpados e inocentes, verdades e mentiras, justiça e politiquices, tudo em desfavor do real saneamento das instituições.
Junta-se a isso a má comunicação do governo com a sociedade, que não conseguiu esclarecer a verdadeira natureza das reformas. Presumiu-se, equivocadamente, que campanhas publicitárias convencionais seriam suficientes.
Essa incúria robusteceu as previsíveis reações de setores privilegiados, que dispõem de motivação e força para manipular uma sociedade cronicamente mal informada.
Algumas reformas miram o futuro, como a inconclusa e indispensável Reforma da Previdência e a desprezada e também indispensável Reforma Orçamentária.
É preciso, entretanto, também cuidar do presente. Ainda há muito o que fazer no âmbito do gasto público.
A crise fiscal é de fato alarmante. Se a União pode dissimular o problema, mediante emissão da moeda, boa parte das entidades subnacionais caminha para o precipício.
A União precisa cuidar de si e olhar para os Estados e Municípios, sob a égide de um programa de recuperação fiscal, com especial ênfase no financiamento dos déficits previdenciários correntes, nos diferentes entes federativos.
É uma tarefa complexa, que demandará, provavelmente, financiamentos de instituições financeiras, privatização ou vinculação de ativos, redefinição dos conteúdos das despesas vinculadas, revisão da gratuidade de serviços públicos para os que podem pagar, etc.
O governo Temer demorou a deflagrar um programa de privatização, cujo desfecho é, até agora, imprevisível. As entidades subnacionais, por sua vez, somente se movem nessa direção, quando impelidas por dolorosas crises.
A privatização não deve ser vista apenas como forma de gerar recursos para enfrentamento da crise fiscal, mas como meio para conferir maior eficiência econômica e, por mais absurdo que pareça, diminuir a corrupção.
Acrescente-se, à guisa de exemplo, a inaceitável violação sistemática do teto constitucional de remuneração dos servidores públicos, por meio de inúmeros expedientes, dissimulados ou não.
Mais grave é que essa violação se opera pelo abusivo recurso a verbas insusceptíveis de tributação pelo imposto de renda, como “auxílio-moradia” e outras falsas indenizações, concessão continuada de diárias, etc.
As chamadas verbas de representação dos parlamentares e participação remunerada de autoridades do Poder Executivo em conselhos de administração de empresas estatais são outros caminhos para burlar o teto constitucional.
Tudo isso depõe contra o princípio da moralidade na administração pública, preconizado no art. 37 da Constituição.
Ainda que modestas ante a dimensão do problema fiscal, medidas como essas são, como se diz popularmente, o varejo a serviço do atacado.
Há os que proclamam a inevitabilidade do aumento de tributos como meio para enfrentar a crise fiscal. Essa hipótese merece ponderação.
É verdade que é inescapável a elevação das alíquotas do PIS/Cofins, como forma de compensar as perdas, já visíveis, na arrecadação, decorrentes da lamentável decisão do STF, que excluiu o ICMS da base de cálculo daquelas contribuições.
Afora isso, é preciso, como se fez no governo FHC, explorar possibilidades de geração de receitas extraordinárias, mediante utilização do instituto da transação, nos casos de litígios judiciais e administrativos que não serão resolvidos sequer a médio prazo.
Por essa via, logrou-se arrecadação, em valores correntes, da ordem de R$ 5,5 bilhões e R$ 18 bilhões, respectivamente, em 1999 e 2002.
Por que não tentar outra vez? Tributação do ágio e planejamento tributário abusivo são exemplos contemporâneos desses litígios.
Publicado no Estadão em 07/09/2017