Desde 2011, assistimos a retomada de uma “Guerra Fria” em torno do conflito na Síria que coloca em lados opostos os eixos euro-americano-saudita-sunita e sino-soviético-iraniano-xiita. Com o propósito de protegerem suas áreas de influência na forma de verdadeiros protetorados, Moscou e Washington sustentam, cada um à sua maneira, uma guerra que já cobrou mais de um milhão de vidas.
Também podemos debitar na conta das estratégias geopolíticas, o fato de terroristas e mercenários serem patrocinados pelo diversos lados do problema. A Síria tornou-se o ator preponderante nesta nova edição da Guerra Fria entre Rússia e Estados Unidos.
Transportemos o exemplo para a América Latina, mais especificamente para a Venezuela. Guardadas as devidas proporções, observamos os principais atores envolvidos no conflito sírio, também em lados opostos na crise venezuelana. O que difere são as razões, e nenhuma delas tem fundo ideológico.
China e Rússia são contrárias à queda do regime e criticam as sanções aplicadas pelos Estados Unidos. Os dois países investiram bilhões de dólares em projetos estratégicos na Venezuela e não querem perdê-los.
Enquanto Maduro ganha tempo e torce para que o preço do patróleo volte a patamares estratosféricos, Pequim e Moscou estão de olho nos recursos que colocaram no país e na importância estratégica de se posicionarem em uma região que sempre foi área de influência norte-americana.
Em 2009, o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, confirmou que o país desenvolve um projeto nuclear civil com apoio da Rússia, que concedeu ao governo venezuelano um crédito de US$ 2,2 bilhões para a compra de armamentos.
Nos últimos anos, a Venezuela comprou equipamento militar russo, como 24 caças-bombardeiros Sukhoi-30, 50 helicópteros MI-17, M-26 e M-35 e 100 mil fuzis AK 47, por cerca de US$ 3 bilhões.
O novo arsenal inclui 92 tanques T-72 e “um poderoso sistema antiaéreo” com um número não revelado de foguetes “reativos”. A Venezuela teria ainda, cinco mil mísseis SA-24 do tipo sistema de defesa aérea de uso portátil (MANPADS, na sigla em inglês), também conhecidos como Igla-S.
Há também especulações em torno de uma base militar russa na Venezuela. O complexo seria construído em Puerto Cabello, no litoral norte do país, onde está instalada a Base Agustín Armario, a maior da Marinha venezuelana.
Já em 2016, Rússia e Venezuela firmaram um acordo de investimento de US$ 500 milhões adicionais para exploração e produção de petróleo e gás nos campos da Faixa Petrolífera do Orinoco, região que tem uma das maiores reservas mundiais de hidrocarbonetos, com área de 55.314 km², dos quais 11.593 km² só para exploração. O aporte adicional é parte de um entendimento firmado em maio do ano passado, que prevê investimentos de US$ 14 bilhões de dólares da Rússia na Venezuela nos próximos anos.
Já a China emprestou mais de US$ 60 bilhões à Venezuela, sendo a maior parte dessa quantia paga com a entrega de petróleo. Pouco se sabe a respeito desses acordos que não passaram pelo crivo da Assembleia Nacional, mas as evidências de que preveem privilégios para empresas chinesas em setores-chave da economia venezuelana, como transporte, telecomunicações, energia, entre outros, é cristalina.
No entanto, Pequim não abandona o pragmatismo e desde 2016, o governo chinês mantém diálogo informal com membros importantes da oposição venezuelana, o que revela que a China considera bastante provável o colapso do regime. Para piorar o cenário, a Venezuela deve mais de três milhões de barris de petróleo à China.
No último domingo, 30, o regime bolivariano promoveu eleições para a conformação de uma Assembleia Nacional Constituinte e menos de 24h depois, ordenou a prisão de vários líderes políticos de oposição, incluindo Leopoldo López e Antonio Ledezma que já cumpriam penas domiciliares.
Embora publicamente ainda respaldem o regime, tanto Moscou como Pequim consideram essas ações desnecessárias e gostariam de ver um pouco mais de boa-vontade por parte de Maduro para buscar uma solução dialogada. Ninguém sabe o que restará do país se a Venezuela mergulhar em uma guerra civil.
Apesar de todos os apelos, Nicolás Maduro levou adiante o seu projeto de poder que logrou eleger importantes líderes do chavismo como o ex-vice-presidente Aristóbulo Istúriz, o ex-presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, e a ex-chanceler Delcy Rodríguez, além de Cília Flores, esposa do líder venezuelano e por ele apelidada de “Primeira Combatente” e o filho Nicolasito.
Em comum, todos são radicais e sinalizam o endurecimento do regime, o que significa pôr mais lenha na fogueira. Trata-se de uma situação que incomoda especialmente a China que prefere a estabilidade política nos países onde atua com força e onde põe muito dinheiro.