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Um balancete modesto

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Indo para o sexto mês, vale fazer um balancete deste início de governo. Começando de trás para a frente, a conclusão é a de que o custo dos tropeços e escorregões está saindo caro. Há perda de energia e tempo para definir prioridades e, sobretudo, dar sustentação à agenda que se pretende perseguir. O que aponta para um mandato cuja evolução poderá ser muito problemática. A sequência de derrotas mostra uma fragilidade incomum para uma gestão que está só começando.
O balancete do semestre revela uma sequência de derrotas — parciais ou definitivas — bastante relevante em temas como as regras de preservação da Mata Atlântica, a tentativa de mudanças no Carf, o debate sobre o marco temporal de terras indígenas, a tramitação do projeto das fake news, a polêmica sobre as regras de saneamento, a reformatação dos ministérios, a manutenção do Coaf no Banco Central e a criação das CPIs dos atos golpistas e do MST. São muitos reveses em tão pouco tempo.
No âmbito externo, o começo auspicioso perde encanto por causa do posicionamento em relação à invasão da Ucrânia e do alinhamento com vizinhos polêmicos. Repercutem mal os sistemáticos ataques à autonomia do BC e à venda da Eletrobras, o que traz insegurança jurídica para os investidores. A incerteza sobre as fontes de financiamento do novo marco fiscal também gera temor de que a solução, como sempre, será o aumento de impostos sem a devida redução de gastos.

“Com tantas confusões e desencontros, o governo se esforça muito para parecer pior do que é”

Acrescenta-se o fato de que o governo se comunica mal, deixando de divulgar adequadamente iniciativas positivas tais como a igualdade salarial entre homens e mulheres, o aumento do salário mínimo, a revitalização do programa habitacional e a retomada de obras paralisadas. Com tantas confusões e desencontros, o governo se esforça muito para parecer pior do que é. A lista impressiona, pois um presidente da República recém-eleito deveria ter um período de graça no Congresso.
Cabe explicar por que o governo está nessa situação. O diagnóstico é relativamente simples: é desorganizado, não é eficiente no diálogo político nem tem uma agenda consensual. O que contribui é a existência de uma feira livre de disputas entre aliados, a evidente inexperiência de muitos com o mundo de Brasília e, sobretudo, uma leitura equivocada do desenho político-­institucional do país.
Claramente, o formato do governo não cabe em suas pretensões. Bem como não cabem no Brasil de hoje as pretensões das alas mais dogmáticas. O que fazer? Um cenário positivo aponta para um freio de arrumação com a reformatação da base política a partir de uma nova agenda e novos compromissos. E uma reforma ministerial. O novo governo está envelhecendo rapidamente.
A sorte de Lula e sua equipe é que ainda está no começo e há tempo para correções. Para tal, será essencial entender que o exercício do poder no Brasil se assemelha a uma assembleia de acionistas, onde o poder Executivo já não é acionista majoritário. E que a construção de consensos dependerá de boa vontade e desprendimento. No fim das contas, a pedagogia das derrotas e o desejo de fazer história podem levar Lula para um caminho de sucesso.
Publicado em VEJA – edição nº 2845

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