Rui Barbosa foi um daqueles brasileiros atemporais. Ao lado de outras figuras como José Bonifácio, Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Rio Branco, entre poucos outros, Rui escreveu há mais de um século lições que ainda ficarão por muito tempo.
Certa vez, li em algum lugar que o Brasil é um país no qual se viajarmos por uma semana, sem acesso às notícias, ao retornarmos teríamos a impressão de caos, de que tudo mudou. Porém, se viajarmos dez anos, ao retornarmos, veríamos que o país está exatamente como era. Rui, brilhantemente, em seu tempo, falava sobre liberdades civis, modernização do estado, reformas na educação, reformas eleitorais, secularização, federalismo, soberania nacional, combate à pobreza etc. Hoje, mais de um século depois, porém, nossas preocupações envolvem liberdades civis, modernização do estado, reformas na educação, reformas eleitorais, secularização, federalismo, soberania nacional, combate à pobreza etc.
Neste mês de Março, o Brasil celebrou o centenário do falecimento de Rui. Como um de nossos maiores personagens, se aventurou em questões políticas, jurídicas, diplomáticas e econômicas da época de maneira notável. Apesar dos pesares, como a política do encilhamento e da queima de arquivos relacionados à escravidão, seus feitos para a política nacional, internacional e para o direito merecem destaque. Uma delas, a exemplo, aconteceu durante a discussão internacional para a formação do Tribunal Penal Internacional na segunda conferência de Paz de Haia. O jurista defendeu enfaticamente que o tribunal não desse tratamento diferenciado para algumas potências. Hoje, com a ONU cumprindo o papel de Tribunal Internacional pensado naquele tempo, vemos, pelos exemplos das guerras e questões militares que envolvam interesses de chineses, russos e estadunidenses, que decisões são barradas pelo poder de veto no Conselho de Segurança. Entre tantas outras razões, fica claro o porquê de Rui Barbosa se preocupar com o esse privilégio.
Além disso, criticava o critério de armamento e capacidade militar para definir quais seriam os países privilegiados no Tribunal Internacional. Ao contrário da paz, Rui afirmava que esse modelo estimularia a corrida pelo armamento e, ao contrário da paz, levaria à guerra. Estava certo, outra vez. Foi por toda sua atuação fenomenal que recebeu o apelido de ‘Águia de Haia’.
Grande defensor da liberdade, afirmava que ela não era um luxo apenas para os tempos de bonança, mas sim um elemento fundamental para a estabilidade das instituições. Um dos instrumentos para a sua garantia e conquista, dizia, era a palavra, a manifestação, a livre expressão.
Grande admirador do País, afirmou que por ter visto todas as nações do mundo reunidas, sabia não ter razão para se vergonhar da sua.
No campo político brasileiro, derrotado duas vezes à presidência da República, mas vitorioso em eleições para o Senado Federal e para a Câmara, Rui se mostrou um sábio leitor do xadrez político da época, ainda que suas ideias fossem avançadas demais para seu tempo. Afirmava que a política e a ‘politicalha’ não se confundem e nem se relacionam, mas se negam e se repulsam. A política seria a ‘higiene dos países moralmente sadios’. A politicalha, por sua vez, a ‘malária dos povos de moralidade estragada’.
Rui, como sabemos, estava alocado no primeiro campo, o da política legítima e sadia. Aquela que envolve diálogo, compreensão e coragem. Rui era raro: um intelectual que ousou se aventurar na política. E mais raro ainda: Um político que fosse intelectual.