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Toda política é, sobretudo, local

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O paradoxo Brasil apresenta aspectos muito interessantes, quando não intrigantes, e que exigem perícia e expertise na sua interpretação. Por seus aspectos pitorescos e alegóricos, é um país propenso a análises equivocadas. Portanto, cabe olhar a realidade e examinar os sinais do momento de um país, tal qual a donna da ópera, que é mobile. Um dia Deltan Dallagnol é paladino da Justiça e, tempos depois, é chutado da política sem apelação.

Mas o que proponho é tentar olhar além da curva, além do óbvio ululante de Nelson Rodrigues. O Índice Bovespa vem subindo sistematicamente e o dólar vem caindo. O índice de miséria caminha para ser o mais baixo em anos. O rating do Brasil melhora pelo conjunto da obra dos últimos anos. O novo marco fiscal está andando, ainda que existam dúvidas relevantes. A autonomia do Banco Central foi preservada apesar do esperneio de lunáticos. E o antirreformismo de setores do governo está sendo contido no semipresidencialismo que, de fato, prevalece no país.

A inflação prossegue sendo combatida e os juros devem cair adiante. O agronegócio continua bombando e a equipe econômica consegue construir, aos poucos, uma relação de credibilidade com os principais agentes econômicos. Assim, o que não está ruim pode ficar bom se os poderes da União, os governadores e forças da sociedade buscarem uma agenda de desenvolvimento econômico e social. A partir de uma simples questão: que país queremos para nossos filhos e netos?

“O sucesso de um projeto de desenvolvimento dependerá da liderança direta do presidente”

De fato, para se obter um país melhor, poucos e complexos pontos devem ser considerados: proteção e avanço nas reformas, combate à desigualdade e melhoria do ambiente de negócios. Obtendo nota boa nos três quesitos, o Brasil será muito melhor.

O anúncio do novo PAC pode ser uma boa oportunidade de mitigar nossos problemas, se for elaborado em conjunto com o Legislativo, o Judiciário e as forças econômicas e sociais. Bem como deve oferecer propostas factíveis e metas de curto e médio prazo.

Como meta-síntese do novo PAC as autoridades e a sociedade civil devem dar atenção prioritária à questão da segurança jurídica. Pois sem ela as expectativas de crescimento, emprego, renda, impostos e divisas ficam comprometidas. Devemos combater a imprevisibilidade do passado.

Uma reflexão adicional deve ser feita. Os bons sinais apontados não eliminam a possibilidade da manutenção de um cenário “mais ou menos” ou, até mesmo, uma piora. Já que o governo não faz a leitura institucional correta, tenta praticar um voluntarismo sem o poder necessário, carece de consistência em suas iniciativas e, sobretudo, não se posiciona claramente sobre o que pode e o que não pode fazer.

Por fim, o sucesso do governo em propor uma agenda de desenvolvimento com começo, meio e fim dependerá da liderança direta e pessoal do presidente Lula. A questão é que ele aparentemente parece mais conectado a uma agenda internacional, em vez de mergulhar nos desafios e nas oportunidades que se apresentam no âmbito nacional. Afinal, como disse o ex-congressista democrata Tip O’Neill: “All politics are local” (todas as políticas são locais).

Publicado em VEJA – edição nº 2846

 

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