Depois dos tropeços iniciais e de narrativas confusas, o novo mandato de Lula encontra alguma tranquilidade quando opera sob a égide do semipresidencialismo de coalizão. Basicamente, é uma transformação do modelo descrito por Sergio Abranches nos anos 1980 e conhecido como presidencialismo de coalizão. Naquele sistema, o presidente da República, com seus superpoderes sobre o Orçamento e a distribuição de cargos, cooptava apoio mediante as tradicionais operações de fisiologismo político.
No século XXI, esse presidencialismo de coalizão em que o presidente da República era a maior força foi se degradando. Tanto pela evolução política quanto pela sucessão de eventos que desafiaram o equilíbrio institucional e deram nova forma às relações entre os poderes. Talvez o marco inicial tenha sido o escândalo do mensalão, que terminou em rumorosos julgamentos e prisões. Adiante, tivemos sucessivos episódios políticos significativos. Vale mencionar os seguintes: Lei da Ficha Limpa (2010), protestos em São Paulo (2013), nova lei anticorrupção (2013), Operação Lava-Jato (2014), a criação das emendas orçamentárias impositivas (2015), o fim do financiamento empresarial de campanhas eleitorais (2016) e o chamado “orçamento secreto” (2019).
A criação de maiorias, antes tarefa exclusiva do presidente, passou a ser operada a partir do Congresso, sob os comandos de Eduardo Cunha e Renan Calheiros e reforçada sucessivamente com Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. O eixo do poder prosseguiu ligando os três poderes da República, mas a força do Legislativo e do Judiciário foi aumentando em detrimento das autonomias da Presidência da República. O modelo de governança política passou a ser um semipresidencialismo em que o chefe do Executivo se submete à palavra final em questões críticas aos demais poderes. Tanto que recentemente — e como ocorrera no governo Jair Bolsonaro — as propostas do Palácio do Planalto não são necessariamente aprovadas em seus termos originais.
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O semipresidencialismo de coalizão do momento tem ainda características antes inéditas na cena política nacional: a judicialização da política, a profusão de decisões monocráticas no STF e a criação da autonomia do Banco Central. Para setores governistas, o modelo é inaceitável por resultar em uma clara diminuição de poder do presidente da República. Porém, é assim que funciona o jogo político de 2023, regido por novas regras e novos costumes, que mudaram radicalmente a inter-relação institucional entre os poderes. Dessa forma, a perícia em navegar em um sofisticado jogo político conta mais do que qualquer outro aspecto para o sucesso do governo. Assim, a habilidade de ceder e conceder é a qualidade mais relevante para que o país avance sem percalços e sobressaltos. Ainda que o Brasil esteja longe de realizar o seu imenso potencial, o quadro institucional dos últimos anos permitiu avanços importantes materializados em reformas, impediu devaneios autoritários e ampliou o espectro da negociação política.