Em dezembro de 1963, em um jantar do Emergency Civil Liberties Union em que recebia o Prêmio Anual Tom Paine pela sua contribuição ao avanço dos Direitos Civis nos Estados Unidos, Bob Dylan fez um histórico discurso.
O episódio foi narrado no documentário sobre o cantor produzido por Martin Scorcese, No Way Home. Reproduzo aqui, com tradução própria, um trecho do seu discurso, supostamente feito sob alguma influência etílica.
“Tenho orgulho de ser jovem. Só que eu queria que todos vocês que estão sentados aqui hoje não estivessem aqui e que eu pudesse ver outros rostos, com cabelo na cabeça – e esse tipo de coisa, tudo que é da juventude… Porque vocês deveriam estar na praia. Vocês deveriam estar lá, deveriam estar nadando e relaxando no momento que vocês têm para relaxar. (Risadas) O mundo não é dos velhos. O mundo não é dos velhos. Os velhos, quando o cabelo cai fora, eles deveriam cair fora. (Risadas) E eu olho aqui para vocês que me governam e fazem as regras que tenho que seguir – e não tem um fio de cabelo na cabeça – e isso me deixa chateado. (Risadas)”.
Em 1963, Dylan estava em rara forma. Com 22 anos e relutante em ser a voz política do movimento jovem, Dylan falou instintivamente de um problema que permanece, 60 anos depois.
Na semana passada vimos, na maior potência econômica e cultural de nosso tempo, um debate entre dois senhores octogenários. Joe Biden tinha 21 anos no dia do jantar da ECLU e Trump, 17 (Lula, 18).
Não há dúvidas de que o debate foi desastroso para Biden. Ele estava confuso, perdia o fio da meada, o semblante cansado e sem energia. Até parecia que ele tem 81 anos. Mas o cenário hoje é de permanência na corrida. Ele só não será o candidato se decidir, nas palavras de Dylan, cair fora.
O partido democrata está fazendo o que pode. Congressistas conversam com repórteres em off e explicitam suas preocupações. É claro que parlamentares estão preocupados com a eleição presidencial, mas também estão de olho nas eleições legislativas. Mesmo os que concorrem em distritos seguros, historicamente democratas, temem perder a maioria (que já é ínfima) no Senado.
Biden se apresentou em 2020 como um candidato de transição. Um interino, que permitiria uma transição para jovens lideranças do partido, uma ponte para uma nova geração de força política. Ele disse isso várias vezes, acompanhado da então senadora Kamala Harris, do senador Cory Booker e da governadora Gretchen Whitmer, nomes hoje cogitados para o plano B emergencial que curiosamente só apareceu após o debate-desastre.
Mas o fato é que hoje Biden ainda tem apoio dentro do partido. Estes aliados apontam para o excelente State of the Union de Biden. Dizem que outros candidatos incumbentes também tiveram noites ruins em seus primeiros debates. Lembram do bom desempenho dos democratas nas eleições midterm, em 2022.
Mas a pressão está crescendo. Esta semana, ainda nos bastidores, congressistas democratas seguem se movimentando, especialmente aqueles novatos, eleitos em 2018 em estados disputados, que sentem que suas reputações também estão em jogo. Há uma minuta de carta circulando, em que fariam o pedido a Biden de forma explícita.
Por enquanto, o posicionamento da campanha e da Casa Branca não mudou. Biden é o candidato. Mas os olhares em Washington estão atentos ao Congresso e principalmente aos movimentos do líder da minoria democrata na Câmara, Hakeem Jeffries, em quem estão sendo concentrados os pedidos.
De qualquer forma, é inegável que o mundo político americano segue envelhecendo. Esta 118ª legislatura é a mais velha da história. A média de idade na Câmara é de 58 anos e 64 no Senado. O país é cada vez mais gerontocrático. The Times They Are A-Changing, mas os líderes políticos não.