O alarido em torno da indicação de Augusto Aras à Procuradoria-Geral da República é manha. Procuradores têm independência plena, assim como juízes. Se o escolhido não é alinhado à corporação e tem críticas a ela, tanto melhor. Mesmo que por linhas tortas, às vezes o presidente Bolsonaro acerta
Certa vez, um ex-deputado do PT resumiu-me, entre queixoso e arrependido, a opinião média do partido sobre o Ministério Público. “Criamos um monstro”, lamuriou.
Referia-se à Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88. As broncas contra o MP são pluripartidárias. Natural. Geralmente, ninguém aprecia seus algozes.
Fato é que os constituintes criaram, sem explicitá-lo, o quarto poder. Os membros do MP são plenamente independentes.
Assim como juízes, procuradores não batem ponto, decidem quando e se vão trabalhar, nunca são cobrados por produtividade no trabalho, caso cometam um delito grave aposentam-se com salário integral, têm três meses de férias por ano e, com frequência, têm vencimentos acima do teto constitucional.
Mais importante, podem ficar indefinidamente com uma tarefa sobre a mesa, decidem se uma apuração nova tem prioridade em relação a uma investigação antiga e elegem seus alvos por critérios próprios.
Celso, o sensato
Portanto, as advertências do ministro Celso de Mello, numa sessão do STF (Supremo Tribunal Federal) da última quinta, 12, são palavras ao vento. Um dos cacoetes da mídia é o elogiar tudo o que diz o decano da Corte Máxima, talvez porque ele esteja um pouco acima da média de seus pares.
Sim, ao retratar a realidade, o ministro foi sensato. Mas, observem, usou os verbos no presente, sem condicionantes. “O MP não serve a governos”.
Celso de Mello, assim, não advertiu, apenas constatou. Disse o que é, não o que não deveria ser.
De fato, o MP não serve a ninguém, a não ser a si mesmo. Ou melhor, serve a cada um de seus membros, que têm independência plena.
Lá, há de tudo. Mais alinhados à chamada esquerda. Próximos à chamada direita.
O mais relevante é que cada um faz o que quer – para o bem e para o mal. Vide os procuradores da Lava-Jato, depois de flagrados em inconfidências mil pelo jornalista Glenn Greenwald.
Acredita em fadas quem acha que juízes e procuradores são imparciais. Mesmo que pretendessem, não o seriam. Cada um tem suas convicções, suas crenças, suas preferências, suas prioridades. E elas vertem sobre suas sentenças e investigações.
Parêntesis. Jornalistas igualmente não são imparciais. A diferença é que podem ser demitidos.
Choro de manha
O frenesi criado pela indicação de Augusto Aras ao cargo máximo do MP é choro de manha. Assim como delegados da Polícia Federal e auditores da Receita Federal, os procuradores parecem querer se transformar num corpo à parte do Estado, que não presta contas a ninguém.
Se as corporações da PF e da Receita, integrantes do Executivo, têm alguns contrapesos à sua atividade, sobeja independência aos procuradores. Simplesmente porque não há quem lhes controle os arroubos – noves fora o juiz Gilmar Mendes.
Para quem acredita na pureza de seus integrantes, deixe estar. Caso contrário, algum sistema de controle é necessário.
E este é o busílis. Membros do MP não prestam contas. A tal ponto, que se sentem à vontade para debochar da choldra ao lamentar vencimentos-miserês de R$ 24 mil. Na verdade, R$ 35,4 mil. Na real, acrescidos os penduricalhos, R$ 68 mil.
Magistrados já fizeram o mesmo. Quem não se lembra do juiz Ricardo Lewandowski queixando-se do “estado de penúria” e que também precisava pagar contas. Não explicou que contas seu salário de R$ 39,2 mil mensais não cobrem.
A fiscalização administrativa, financeira e disciplinar é exercida pelo Conselho Nacional do Ministério Público. No entanto, de seus 14 integrantes, oito são procuradores.
Linhas tortas
Ao indicar Aras ao cargo de Procurador-Geral da República, Jair Bolsonaro seguiu a Constituição. Se buscou um nome não alinhado ao establishment da corporação, tanto melhor.
Sua intenção pode ter sido outra, como o filhotismo ou colocar um freio na Lava-Jato. De qualquer jeito, mesmo por decisões enviesadas, Bolsonaro às vezes acerta.
Se não é possível adotar um controle externo às investidas do MP contra cidadãos e a cidadania, que pelo menos o cargo máximo seja exercido por alguém que não faz parte da panelinha.
A Lava-Jato foi divisor de águas na história brasiliana. Pela primeira vez, brancos, ricos e poderosos foram denunciados (pelo MP) e encarcerados (pelo Judiciário). De maneira inédita, bilhões de reais foram devolvidos ao erário.
Isto não torna procuradores imunes a críticas. Ou alguém duvida que prender Lula e afastá-lo da corrida eleitoral de 2018 era intenção precípua do sufeta de Curitiba e sua trupe de paladinos.
Certo, juiz Celso de Mello, não falta independência ao Ministério Público. Falta fiscalização e controle.
* Itamar Garcez é jornalista